
Semana passada, recebi um presentão mais que especial: o livro Quando fui pai do meu irmão, de Frei Betto, publicado recentemente pela Alta Books Grupo Editorial, edições 70. Toda vez é assim, quando ele lança um novo título, faz questão de enviar – deferência pela qual sou grato – um exemplar ao velho amigo piauiense. De tal maneira que, na biblioteca de casa, esse autor mineiro, filho ilustre de Belo Horizonte, ocupa um espaço privilegiado entre todos. E em razão da qualidade de seus textos, tanto do ponto de vista estético quanto temático, leio cada um deles com prazer e tirando o máximo de aprendizado. Como bem destacado na orelha, a referida obra traz lições importantes de sabedoria, pedagogia e espiritualidade.
Antes de entrar no conteúdo do livro, que tal falarmos um pouco desse intelectual que dignifica o nosso solo pátrio e a cultura brasileira? Seu nome de nascimento é Carlos Alberto Libânio Christo, filho do jornalista Antônio Carlos Vieira Christo e da escritora e culinarista Maria Stella Libânio Christo. Destaca-se como educador popular, jornalista, escritor, assessor de movimentos sociais e pastorais, frade dominicano e, sobretudo, cidadão visceralmente político. Ultimamente, tem se dedicado à literatura, sendo autor de uma obra vasta e diversificada (78 livros até aqui) e ganhador do Prêmio Jabuti em 1982, com Batismo de sangue, história pungente da participação de dominicanos na luta contra a ditadura.
Dividido em 12 partes, o livro recebe o título do quinto capítulo, e destaca o período sofrido da vida de Frei Betto em São Paulo, entre os anos 1980 e 1985, em que virou literalmente o pai do caçula da família, Tonico, dependente químico de drogas – xaropes para tosse e, eventualmente, maconha. Quanto à prisão sob a ditadura militar, ele foi em cana duas vezes: 1964 e 1969, acusado, respectivamente, de comunista e terrorista, rótulos sempre atribuídos aos que combatiam o regime autoritário da época. Na conclusão, Betto enumera dez conselhos para se viver a religião no século XXI, hoje mais pertinentes do que nunca, a exemplo do item que recomenda tolerância em relação aos que praticam crenças diferentes da sua.
No comecinho do livro, Frei Betto diz algo que, concordemos com ele ou não, leva todo escritor a matutar: “O que faz de nós imagem e semelhança de Deus é a capacidade de amar e a linguagem”. Que o artista da palavra não passa, no fundo, de um clone de Deus. Por isso, a escrita ter um sentido terapêutico e libertário, sendo tecida em forma de prece e de busca de diálogo com os dessemelhantes. Mas adianta também que, a fim de não iludir ninguém, esse labor requer muita dedicação e leituras infindas. E que, fundamental mesmo, é o autor se orientar por três lições ao produzir sua obra literária: “Retirar-se, recolher-se à solidão e estar consigo mesmo”. Antes que se pergunte sobre o que fica, no final da leitura, eu respondo usando o próprio subtítulo do livro: “O desafio é sempre imprimir sentido à existência”.
