
“Não sou diva, nem estrela. Diva está em Hollywood, estrela está no céu. Eu sou uma operária do palco.” É assim que Safira Bengell, figura histórica da cena transformista brasileira, define sua trajetória de 50 anos dedicados à arte. Agora, parte dessa história está reunida no livro A arte de viver – a Dama da Diversidade Cultural brasileira, lançado em parceria com o escritor Enéias Barros.
No Podcast Simbora, gravado no estúdio do portal Piauí Hoje, ela conversou com o professor Wellington Soares sobre a publicação, que ela define como um documento de memória e resistência. Nele, Safira sua trajetória, nomes, espaços e movimentos culturais que marcaram época. “Quis mostrar à sociedade como lidar com pessoas diferentes. Famílias precisam aprender a conviver com filhos como eu tive que ser. É um livro para abrir diálogos.”
O lançamento do livro tem sido recebido com entusiasmo. Sem apoio de editoras no início, ela fez uma pré-venda e financiou a primeira tiragem. “Ninguém acreditou. Eu mesma vendi, paguei e lancei. Os 300 exemplares se esgotaram rápido. Depois vieram 500, depois mil.” O livro já circula em Teresina, Rio e outras capitais, sempre carregado em suas viagens.
Presença constante em feiras e debates culturais, a artista destaca que a obra é um convite à reflexão. “Palco é meu altar. Foi ele que me deu comida e dignidade. Agora quero que minhas memórias ajudem a abrir caminho para o respeito e a diversidade.”
Nascida em Teresina, em 1958, com o nome de batismo José Alberto Bringel de Souza, Safira deixou a capital piauiense aos 18 anos em busca de liberdade. “Eu sempre soube que nasci no corpo errado. A mulher sempre esteve dentro de mim.” A decisão de ir para o Rio de Janeiro foi dolorosa, mas necessária. “Saí com uma passagem só de ida, sem direito a voltar. Foi minha liberdade depois de muito sofrimento.”
No Rio, Safira se encantou com artistas como Maria Alcina e encontrou nas casas noturnas o espaço para se firmar no palco. “A gente dormia no Passeio Público, mas estava feliz porque era livre. Foi duro, mas maravilhoso”, lembra. A carreira deslanchou em casas como o Cabaré Casanova, e logo ela também passou a produzir espetáculos. “Juntei mulheres, juntei artistas e viajei o Brasil. Eu precisava sobreviver e aprendi a fazer tudo.”
Com a sinceridade que a acompanha desde jovem, Safira também fala sobre preconceito. “Hoje dizem que não há mais, mas é mentira. O preconceito é velado e às vezes ainda mais cruel. Antes, éramos respeitadas como profissionais, hoje muitas vezes somos vistas como banalidade.”
Aos 66 anos, com cinco décadas de palco e resistência, Safira segue firme como voz ativa da cultura e da diversidade. “Não quero apenas contar o que vivi, mas mostrar que é possível resistir e existir com dignidade. Se minha trajetória abrir caminhos para alguém, já terá valido a pena”, afirma.
