SIMBORA!

SIMBORA!

SENTIMENTO

Das coisas afetivas que guardo no peito

Por Wellington Soares

Segunda - 14/07/2025 às 18:44



Foto: Wellington Soares Par de tênis que guardo na memória e na foto
Par de tênis que guardo na memória e na foto

A pergunta veio direta, sem rodeio: “quando você jogará fora o tênis velho?”. E diante do meu silêncio, Lucíola apontou em direção ao par de calçados. Não era a primeira vez que fazia essa indagação, mas, pelo tom de voz, parecia ser a última. A impressão que tive, na hora, era de que sua paciência havia chegado ao limite. Caso não tomasse providência, ela o faria por mim naquele mesmo dia. Embora o tênis não desse mais para ser usado, dado seu estado de penúria, eu não queria me desfazer dele. Foram alguns anos de caminhada juntos, durante os quais criamos laços afetivos. Além de achá-lo lindão em amarelo escuro, confortável, feliz da vida. Como recordação, guardo até hoje uma foto dele.

Desnecessário dizer, após esse preâmbulo, o quanto sou ligado às coisas antigas que envolvem minha pessoa. A convivência produz uma relação difícil no instante da separação. Não digo isso em relação a todas coisas, mas, sobretudo, com aquelas que me abraçam num enlace amoroso. É o caso, por exemplo, de um velho cobertor que tenho há anos. Apesar de desbotado, não o troco por um novo de maneira alguma. Gosto do seu cheiro, e da delicadeza com que aconchega minha cabeça na hora de dormir.Pouco importa se o chamam de “molambo”, não ligo a mínima. Nosso xodó é tão grande que, nas viagens, dentro e fora do Piauí, ele sempre está comigo. Momento de tristeza, e das grandes, vivi quando o esqueci num hotel, em São Raimundo Nonato. Mas não sosseguei, ligando todo santo dia, enquanto não tive minha coberta de volta.

Outra das ligas, confesso, é por calça jeans. Talvez por ser uma paixão dos velhos tempos. Na adolescência, já era um sonho de consumo. Sinal de uma nova fase da vida, época de começar os primeiros namoricos na Praça Pedro II. Sem falar, ainda, de ser um sinônimo de rebeldia e liberdade. Daí a dificuldade em me desfazer, sempre quando cobrado, de cada uma delas. Vou adiando, adiando, até não ter escapatória. Nesse caso, recorro a duas boas saídas, desde que a sensação de conforto e estilo permaneçam: tingir de uma cor diferente e transformá-la em bermuda, estratégias que renovam o guarda-roupa a baixo custo. A atemporalidade desse tecido, me faz lembrar de uma frase genial: “Desperte seu lado aventureiro – coloque seu jeans e saia para descobrir o mundo”.

Dos discos também, mesmo sob tortura, não abro mão em hipótese nenhuma. Bom explicar à galera jovem, pra não confundir com Ovnis, que estou me referindo ao vinil, bolachão e álbum. Devo ter uns 200 em casa, todos conservados, guardados nas capas e cobertos por plástico. Alguns são hoje verdadeiras raridades, valendo uma boa grana, mas o valor afetivo fala mais alto, impedindo que eu venda. Senão, vejamos: como me desfazer de “Falso brilhante”, de Elis Regina, a maior cantora brasileira; de “Secos & Molhados”, trabalho de estreia da banda que sacudiu o cenário musical dos anos 1970; de “Estrangeiro”, de Caetano Veloso, ícone da nossa MPB; e, por fim, “Whole Lotta Love”, de Led Zeppelin, banda britânica de heavy metal?

Wellington Soares

Wellington Soares

Wellington Soares é professor, escritor e um dos editores da Revestrés. Tem uma longa atuação nas áreas da educação e da cultura no Piauí. Gosta de ouvir música, ver filmes, dormir em rede, ler livros e curtir os dois netos. Sem falar que é torcedor apaixonado do Flamengo.
Siga nas redes sociais

Compartilhe essa notícia: