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HISTÓRIA

Lula e a jiboia no Piauí

Por Wellington Soares

Quinta - 31/07/2025 às 00:29



Foto: Arquivo do PT Lula andou várias vezes pelo interior do Piauí entre 1980 e 2000
Lula andou várias vezes pelo interior do Piauí entre 1980 e 2000

Quando estávamos nos preparando para tomar o caminho de volta, depois de saborear um delicioso café, recebemos a notícia de que o Raimundo Vela Branca, nosso anfitrião, havia pegado uma jiboia das grandes. A cobra se encontrava numa árvore, ao redor da casa, ainda degustando uma ave, na maior calma do mundo. A dúvida que surgiu na hora, entre os presentes, era o que fazer com ela. Alguém sugeriu deixá-la sossegada, uma vez que esse tipo de serpente não representa ameaça ao ser humano. Outro, não muito convencido disso, defendeu meter um pau na cabeça dela e dar o assunto por encerrado. Foi o companheiro Lula, sábio como sempre, quem solucionou a polêmica: “Por que não a levamos para Teresina e doamos ao Zoobotânico?”.

E foi isso que fizemos, realmente, ao desembarcar na outrora Cidade Verde, deixando os profissionais do Parque felizes da vida. Mas é preciso agora, para o leitor entender direito, contextualizar os fatos dessa história que envolve a ilustre figura de Luiz Inácio Lula da Silva, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores na época. Em 1985, íamos ter, depois de muitos anos, eleição para prefeito de Guadalupe, tida como área de Segurança Nacional devido à Usina Hidrelétrica de Boa Esperança. Próximo ao pleito, convidamos Lula para reforçar a campanha do sargento Sebastião Egídio, candidato do PT no município. Para o deslocamento até lá, sul do Piauí, o diretório estadual do partido alugou, a duras penas, um teco-teco a fim de nos levar: eu, Lula e Maria Alice, vereadora petista de Esperantina.

Divulgado o comício, a cidade compareceu para ouvir o que tinha a dizer o fundador do PT, metalúrgico já conhecido nacionalmente por comandar as greves no ABC paulista. A expectativa era grande tanto por parte do público quanto dos organizadores. Dada a liseira, o palanque foi improvisado na carroceria de um caminhão, de onde os líderes soltavam o verbo contra a ditadura militar e os seus representantes locais. Algo destoava, porém, no cenário do evento político: o distanciamento das pessoas em relação aos oradores. Ainda pairava no ar, infelizmente, um medo avassalador. Experiente como nenhum outro, Lula evitou tratar, de imediato, das questões político-eleitorais, se atendo à sua comovente história de retirante nordestino obrigado a migrar para São Paulo, junto com a mãe e os irmãos, a fim de não morrer de fome.

No final da fala deste pernambucano arretado, quando vimos, o povão chorava e abraçava e beijava, bastante comovido, a mão do filho de dona Lindu. Só não esperávamos que, depois do comício, Lula topasse o desafio, feito por Adalberto Pereira, militante do PT, de uma pescaria na barragem. “Não tem peixes lá, não?”, indagou à companheirada que tinha, após engolir qualquer coisa, o plano de dormir de tão cansada. E não é que o improviso, em plena lua cheia, foi um estrondoso sucesso – comemos pirão de piabas cozidas numa lata, tomamos uns bons tragos de cachaça Maranhense, cantamos e, o melhor de tudo, compartilhamos muitas histórias divertidas. Preocupado com as horas, Adalberto nos lembrou que o Lula precisava se recolher, uma vez que retornaria a Teresina – cedo da manhã – no dia seguinte. O bicho pegou, como diria a galera, quando retornamos, dentro do teco-teco, na companhia da jiboia.

Wellington Soares

Wellington Soares

Wellington Soares é professor, escritor e um dos editores da Revestrés. Tem uma longa atuação nas áreas da educação e da cultura no Piauí. Gosta de ouvir música, ver filmes, dormir em rede, ler livros e curtir os dois netos. Sem falar que é torcedor apaixonado do Flamengo.
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