Na remota região sudoeste da Amazônia, Antônia Barbosa trava uma batalha árdua para preservar descobertas arqueológicas de uma civilização antiga. No entanto, o crescente agronegócio brasileiro, avaliado em US$ 523 bilhões, coloca essas preciosidades históricas em risco, com os geoglifos — antigos desenhos geométricos esculpidos na terra — sendo destruídos à medida que fazendeiros expandem suas áreas de cultivo. Ao menos nove dos mais emblemáticos sítios arqueológicos, que datam de mais de dois mil anos, já foram destruídos. Essas formações, algumas com mais de 385 metros de diâmetro, representavam uma civilização que floresceu na mesma época que a Grécia antiga.
De acordo com Barbosa, a única arqueóloga do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no estado do Acre, a situação é alarmante. O avanço do agronegócio, responsável por 24% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, torna a preservação dessas relíquias históricas, quase impossível. No Acre, a produção de soja triplicou nos últimos dois anos, com as fazendas se espalhando por mais de 43 mil hectares. As multas aplicadas pelo Iphan por destruição de sítios arqueológicos são ineficazes diante do poder econômico dos grandes proprietários rurais. Um proprietário destrói um sítio arqueológico porque acredita que será mais lucrativo pagar a multa e usar a terra.
A destruição dos geoglifos não é um caso isolado; faz parte de um problema maior: o desmatamento da Amazônia para abrir espaço para o cultivo de commodities como soja e milho. Isso não apenas ameaça o patrimônio arqueológico, mas também o equilíbrio climático global, uma vez que a floresta amazônica armazena cerca de 20% do carbono vegetal do planeta. Se o desmatamento continuar nesse ritmo, a Amazônia pode se tornar uma fonte líquida de emissões de carbono, agravando as mudanças climáticas.
O valor econômico das terras onde estão localizados os geoglifos é visto como uma barreira para sua preservação. Um hectare de soja gera cerca de US$ 2 mil em receita, enquanto os geoglifos, com uma média de dois hectares, renderiam apenas cerca de US$ 4 milhões por ano, um valor irrisório para o agronegócio.
Apesar da importância histórica dos geoglifos, muitos deles são ignorados pelos fazendeiros da região, que veem maior valor econômico no uso das terras para produção agrícola. Em um caso emblemático, a Fazenda Crichá, onde estavam cinco formações antigas, teve suas estruturas destruídas em poucos dias em 2019. O proprietário, Assuero Doca Veronez, presidente da Federação da Agricultura do Acre, afirmou que a destruição foi um "acidente" causado por um gerente de fazenda. O Ministério Público Federal do Acre está processando Veronez por R$ 200 mil e exige a restauração dos geoglifos, o que custaria cerca de R$ 2 milhões.
O Acre, embora tenha um rico potencial turístico por conta dos geoglifos, ainda não consegue aproveitar essa oportunidade. A maioria dos visitantes que chegam à região busca experiências com a bebida ayahuasca, usada por comunidades indígenas em rituais, como aponta Ezequiel de Oliveira Bino, secretário municipal de desenvolvimento econômico e turismo de Rio Branco.
Enquanto isso, arqueólogos como Barbosa continuam lutando contra o tempo e o poder econômico do agronegócio. A destruição dessas formações milenares coloca em xeque não só o patrimônio cultural do Brasil, mas também o futuro de descobertas arqueológicas que ainda aguardam ser reveladas nas vastas extensões da floresta amazônica.
Fonte: Brasil 247