
A tentativa de golpe de Estado que buscava impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seguiu ativa até pelo menos 28 de dezembro de 2022 — apenas três dias antes da cerimônia oficial no Palácio do Planalto. É o que indicam áudios inéditos obtidos pela Polícia Federal, que revelam detalhes da conspiração e reforçam o envolvimento de aliados do então presidente Jair Bolsonaro (PL) na trama.
As gravações foram interceptadas com autorização judicial e fazem parte do material analisado nas investigações conduzidas pela PF. Um dos protagonistas das conversas é o agente da própria corporação, Wladimir Matos Soares, preso por atuar no núcleo operacional da tentativa de ruptura institucional. Em diálogo gravado em 29 de dezembro daquele ano, ele lamenta o recuo de Bolsonaro e antecipa sua saída do país.
“O presidente vai dar para trás”, diz Wladimir a um interlocutor, que pergunta: “em quê?” O policial responde, direto: “vai fugir!” A fuga a que se refere é a viagem do ex-presidente para os Estados Unidos, realizada no dia seguinte, 30 de dezembro. Segundo ele, Michelle Bolsonaro já havia embarcado antes: “Michelle foi ontem”, afirma.
Os áudios, revelados pela colunista Daniela Lima, do g1, apontam que a expectativa dos aliados golpistas era de que ainda haveria uma reviravolta antes da transferência oficial de poder. “Nunca levei fé de que poderia ter alguma reviravolta... essa possibilidade foi real?”, questiona o interlocutor. “Até ontem!”, responde o agente da PF, confirmando que o plano foi mantido “de pé” até ao menos o dia 28.
Além de expor os bastidores da articulação golpista, o conteúdo das gravações adiciona uma camada ainda mais grave às investigações: os planos incluíam, segundo a PF, o assassinato de autoridades, como o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Parte dessas ações, conforme os áudios, teria ocorrido dentro da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), sob o comando do então diretor Alexandre Ramagem. Deputado federal pelo PL do Rio de Janeiro e aliado próximo de Bolsonaro, Ramagem é citado diretamente nas conversas como alguém que estava a par da conspiração. Agentes que estavam sob seu comando usaram as instalações da agência para reuniões clandestinas.
Com isso, cresce a pressão política sobre Ramagem e sobre o presidente da câmara dos deputados, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). Motta tem atuado para barrar o avanço de qualquer processo contra o parlamentar bolsonarista, blindando-o de investigações mais incisivas no Legislativo.
Ministros do STF, ouvidos reservadamente, avaliam que os áudios não trazem elementos jurídicos novos, mas mantém a gravidade do cenário revelado ao longo dos últimos meses pela Polícia Federal. Para eles, as provas dão ainda mais solidez ao inquérito, especialmente ao evidenciar o envolvimento direto de agentes públicos em articulações ilegais.
O governo Lula ainda não se pronunciou oficialmente sobre os áudios. Nos bastidores, no entanto, integrantes do Planalto e de partidos aliados avaliam que as gravações dão novo impulso à CPI do 8 de Janeiro e podem intensificar pressões por responsabilizações no Congresso.
Enquanto isso, Ramagem tenta manter a narrativa de que não há provas de sua participação direta na trama, embora os áudios indiquem que seus subordinados agiram com liberdade para articular dentro da Abin. A posição de Hugo Motta é vista como fundamental no jogo político e pode decidir se Ramagem será ou não investigado de forma mais dura na Câmara.
Fonte: Brasil 247