Especiais

DIA DAS MÃES

No Dia das Mães, relatos destacam invisibilidade e força das mães atípicas

Com dedicação integral e pouco suporte, mulheres que vivem a maternidade atípica desafiam limites todos os dias

Por: Isaac Da Silva e Lília Pâmela Ferreira

Domingo - 11/05/2025 às 07:30



Foto: Reprodução Ana Carolina Prado e sua filha Clara
Ana Carolina Prado e sua filha Clara

A maternidade sempre foi uma dança — daquelas que aprendemos observando nossas mães, avós, bisavós e tantas outras antes delas. Uma dança sem manual, sem passos marcados junto ao teste positivo. Ainda assim, todas as mães trilham caminhos onde não havia compasso.

Mas existem mulheres que precisam reinventar cada movimento. Mães que dançam em outros ritmos — os que não aparecem em comerciais de fraldas nem em fotos com filtros florais nas redes sociais. São as mães que vivem a maternidade atípica, que convivem com o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Elas acompanham uma melodia diferente — não por escolha, mas porque a vida compôs um compasso único para cada uma. E o que poderia parecer um descompasso, transforma-se em uma nova dança: feita de amor, de força que nasce no cuidado diário.

MÃES ATÍPICAS

Este é o caso da Alinny Maria, mãe da pequena Lis, de 4 anos, autista 2 de suporte, que vive esse ritmo desde o diagnóstico, até os dias de hoje. “Não foi fácil receber o diagnóstico de autismo da minha filha. Mas, no fundo, foi um alívio. Era a resposta que eu precisava para entender por que ela era tão diferente das outras crianças da idade dela. Passei por um período de negação, senti como se estivesse vivendo um luto por uma maternidade idealizada. Me senti sozinha e perdida. Mas, aos poucos, tudo foi se ajeitando.”

Alinny Maria e sua filha lis

O medo também acompanhou Ana Carolina Prado, mãe da pequena Clara, de 6 anos, autista com nível 3 de suporte. “No início, meu maior medo era: será que o mundo vai aceitar minha filha? Eu não sabia o que era o autismo, era tudo muito novo. Mas os olhares das pessoas já mostravam que ela era vista como ‘diferente’. E isso doía. Depois do diagnóstico, vem sempre o luto silencioso — e muitas vezes solitário. Mas, mesmo com medo, eu sabia que precisava ser abrigo para ela. E fui transformando o medo em presença. Não foi fácil e ainda não é, mas é com amor que a gente vai atravessando.”

A maternidade já exige muito das mulheres. Em contextos atípicos, os esforços e cuidados se multiplicam. “A maternidade por si só já é transformadora. Quando nos tornamos mães de uma criança com autismo, nossa vida muda por completo. Abri mão de quase tudo para me dedicar ao tratamento da minha filha. O tempo funciona de outro jeito. Acabamos sem tempo para cuidar de nós mesmas. Coisas simples que antes eu fazia, hoje não faço mais. Mas não me arrependo. Sei que tudo vale a pena por ela”, completou Alliny.

Muitas mães precisam reestruturar a rotina familiar. Carolina explica: “Minha rotina é toda pautada na Clara. Pela manhã, terapias. À tarde, escola. À noite, mais uma intervenção terapêutica. No final do dia, estamos esgotadas. Precisei parar de trabalhar. Não foi escolha, foi necessidade. A Clara tem terapias todos os dias, e alguém precisa estar com ela. Esse alguém sou eu. Houve um tempo em que eu fazia intervenção até nos passeios. Até que pensei: ‘Ela precisa ser criança também’. E comecei a sair com ela só para brincar. A Clara é nível 3, isso exige presença constante. Não é só levar na terapia — é estar junto, atenta. Como trabalhar fora com essa rotina? É quase impossível.”

PEQUENAS VITÓRIAS, GRANDES CONQUISTAS 

Mesmo sendo heroínas imparáveis, quem cuida da mãe que cuida de todos? Alinny desabafa: “A mãe cuida dos filhos, do esposo, da casa… mas ninguém cuida da mãe. A rotina é exaustiva, nos sentimos sobrecarregadas por lutar por inclusão, discutir com planos de saúde, enfrentar desafios sociais. Tudo se acumula e a gente cansa. Depois do laudo da minha filha, desenvolvi TAG e outros problemas — talvez pela mudança radical na rotina e pela falta de apoio. Hoje, faço acompanhamento psicológico e médico. Quando sinto que vou extravasar, procuro fazer algo que me relaxa. Peço sempre a Deus para me manter firme. Porque minha filha precisa de mim.”

Esse gesto de resistir costura o dia a dia de tantas mães, de mulheres que enfrentam olhares tortos, escolas despreparadas, noites sem sono. Mas também descobrem brilhos únicos: no primeiro olhar com foco, no primeiro passo instável, numa palavra dita depois de anos — como se fosse ouro. Carolina compartilha um desses momentos: “O momento mais marcante foi quando minha filha escreveu a letra R. Eu chorei e agradeci muito a Deus. Pode parecer simples para outras mães, mas para nós, é resultado de muita dedicação, terapias, dúvidas, noites sem dormir... E aí, de repente, ela responde: ‘Estou aqui, mamãe. Estou aprendendo.’ Aí você só chora e diz: ‘Obrigada, Deus. Está tudo dando certo. Vamos conseguir.’”

AMOR EM OUTROS RITMOS 

A maternidade atípica não é menos bonita. É mais crua. Mais real. Mais exigente. E, por isso, talvez mais profunda. O amor ali não é idealizado — é construído, dia após dia, gesto por gesto, num cansaço que não cabe em legenda. Carolina finaliza: “O mundo ainda não está preparado. A escola da minha filha só faz adaptações porque eu acompanho de perto. Se eu soltar, não acontece. A inclusão ainda é mais teórica do que prática. E quando se trata de mães atípicas, o julgamento é pesado. Já ouvi: ‘Você só tem ela de filha, né?’ Como se isso diminuísse a entrega que é cuidar de uma criança com autismo. O que falta é empatia. O que fazemos é também um trabalho. É presença intensa, escuta constante, amor que não descansa. Somos mães, sim.”

E o que essas mães fazem — com ou sem ajuda — é grandioso. Mesmo quando ninguém vê. Mesmo quando tudo pesa. Mesmo quando o mundo anda rápido demais para quem precisa de tempo. Alinny deixa um conselho para as mamães e futuras mães atípicas: “O começo não é fácil. A primeira coisa é buscar o máximo de informação possível sobre o transtorno. Aceitar o diagnóstico é fundamental. Depois, é preciso procurar profissionais especializados. Viva o agora, não pense tanto no futuro. Comemore cada nova evolução. Incentive seu filho, faça ele se sentir amado, seguro. Procure se aproximar de outras famílias atípicas. Busque apoio e tenha fé. Seu filho vai te surpreender muito.”

Sendo ritmos diversos, o significado de amor é o mesmo — o amor de todas as mães. “Ser mãe é uma dádiva de Deus. É se doar completamente e viver um amor incondicional. A mulher só entende o que é amor de verdade quando se torna mãe. Os sentimentos de antes parecem pequenos perto do que sentimos pelos nossos filhos.”, finaliza Alinny.

Neste Dia das Mães, que celebremos não só as mães das propagandas, mas aquelas que fazem o invisível — e o que parecia impossível — acontecer. Mães que aprendem a dançar fora do ritmo e, mesmo assim, transformam a dança em amor.

Siga nas redes sociais

Compartilhe essa notícia:

<