
Foram seis tiros certeiros. Um na cabeça e os demais espalhados pelo corpo. Todos disparados por mãos assassinas. A poucos metros de distância. Mãos essas que estavam a serviço de fazendeiros cruéis, desumanos, mais assassinos que os próprios executores. Covardes, todos, acima de tudo. No momento do crime, Dorothy Stang se encontrava sozinha, no meio da mata, uma senhora de 73 anos. Em vida, só procurou fazer o bem, ajudar os necessitados. Indagada se portava alguma arma, pelos criminosos, respondeu apenas: “somente a bíblia”. Antes de ser morta, pediu para ler um trecho das palavras de Deus. Foram seis tiros disparados à queima roupa. Um na cabeça e os outros em diferentes partes do corpo. Sem clemência nem piedade. Uma senhora de 73 anos que, ao longo da existência, nunca fez mal a ninguém. Tornou-se missionária a fim de ajudar as pessoas, sobretudo, os mais pobres, que sobrevivem marginalizados de tudo. Ela pertencia às Irmãs de Notre Dame de Namur, uma congregação católica internacional que realiza trabalho pastoral ao redor do mundo.
Dorothy Stang deixou o conforto dos Estados Unidos, país onde nasceu, para vir morar nas entranhas do Pará, precisamente em Anapu, um dos municípios mais carentes da região Amazônica. Naturalizada brasileira, a irmã era uma mulher de sorriso franco, fala macia, que acreditava num mundo solidário, apesar da idade avançada, cabelos brancos. Foram seis tiros perversos, todos certeiros, sem chance de sobrevivência. Um na cabeça e o restante espalhado pelo corpo. Tiros disparados por mãos insanas a mando de latifundiários gananciosos, capitalistas selvagens. Transcorria o dia 12 de fevereiro de 2005, às 7h30, em estrada de difícil acesso, distante 53 quilômetros de Anapu. Na blusa que usava, a religiosa trazia uma mensagem de alerta a todos, simbolizando sua luta cotidiana: “A morte da floresta é o fim de nossa vida”.
Mas que desatino cometera Dorothy Stang, afinal, para merecer pena tão severa? Defender projetos de desenvolvimento sustentável no Xingu está longe de constituir crime de qualquer tipo. Buscar a geração de emprego e renda, com planos de reflorestamento em áreas degradadas, menos ainda. Que dirá se bater pela redução dos conflitos fundiários da região. Tais compromissos levaram seu trabalho, inclusive, a ser reconhecido dentro e fora do Brasil. Ignorando a importância dessas bandeiras, os que se julgam “donos” da terra mostraram sua face odiosa. Contrataram pistoleiros para matá-la friamente, de preferência com seis tiros. Um na cabeça e os demais distribuídos, aleatoriamente, pelo corpo. Não dando à freira a possibilidade de esboçar qualquer defesa. Uma senhora de 73 anos, de sorriso franco, fala macia. Igual a Jesus, assassinada injusta e cruelmente. Defender a distribuição de terra entre todos, irmãos nascidos de um mesmo Pai misericordioso, é infração passível de punição tão grave assim?
As ameaças constantes jamais a intimidaram, ela que tinha um coração imenso: “Não vou fugir nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzir com dignidade, sem devastar”. Apesar das reviravoltas no julgamento do bárbaro crime, tanto executores como mandantes foram condenados à prisão. Absurdo de engolir é que dos cinco implicados no assassinato, somente um (o responsável pelos disparos) permanece no xilindró, enquanto os demais estão em prisão domiciliar. Passados duas décadas, impossível não lembrar neste mês, sem ficar comovido, do olhar cheio de ternura de Dorothy Stang nos seus instantes finais. Foram seis tiros covardes, à queima roupa, um na cabeça e o restante espalhado pelo seu corpo frágil.
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