Proa & Prosa

Proa & Prosa

Carne maciça e carne de pescoço

Os filés da peixaria, levam pesqueiros para o prazer dos distantes; brasileiros espetem a língua roendo o espinhaço cozido em salgas ralas.

Fonseca Neto

Segunda - 25/10/2021 às 06:59



Foto: Fatos Desconhecidos Fome
Fome

Não precisa abjeção mais bestial: filhos do país da comida morrem humilhados nas ceifas da fome.

E se pergunto “por que há fome?” – sugere D. Câmara –, prendem-me e me chamam de comunista, petista, inimigo da nação. As armas patrícias virem-se ao perguntador.

Requinte de perversidade na pátria desamada, armada: a maior safra de grãos e brasileiros fuçando o lixão e catando migalhas para “enganar as lombrigas”.

No pais que queima a selva divina para criar gado, o filé vai para o povo de fora e os de dentro que mordam pescoço de galeto.

E o chefe nacional dos supermercadistas diz na TV: e como os pobres aumentaram o consumo de pés de galinha e ossadas, já dobraram seus preços; lei da oferta e procura!

A carne maciça oferte-se a “são” lucro, o povão brasileiro que se vire roendo os ossos a caminho dos lixões.

Brasil, maior produtor de frango: o oriente come os filés dos peitos brancos e brasileiros roem asas e carcaças; petiscam as vísceras; fígado de ave amarga.

Picanhas, popas, patinhos e chãs ao paladar dos chinos; os bofes, chambaril, rabos e fatos cagaiteiros, aos brasileiros deserdados nas exclusões.

Dos porcos, os coxões e costeletas aos japas; brasileiros roam as cabeças e fuças, comam passarinhas e rins, que amargam a danar.

Os filés da peixaria, levam pesqueiros para o prazer dos distantes; brasileiros espetem a língua roendo o espinhaço cozido em salgas ralas.

Caças? Já mataram quase tudo. Famintos, para escapar a barriga; outros, para se divertir, matando, tradição hedionda. Tara humana recôndita.

As féculas, as farinhas, as castanhas, os méis: embale-se “for export.”; barriga de estranja agora quer comer “coisa natural, integral”.

As frutas que o sol do Equinócio adoçou, adoce a merenda das metrópoles do “primeiro mundo”; aqui na colônia vicie crianças e todos com refricocos.

Azeites, sucos, passas, cafés a torrar... Exporte-se, sirva ao refino comestível de outrem. Até a pinga popular brasileirinha, já tentaram patentear lá distante.

Agora se pergunte, perguntar é resistir: por que tanta diferença entre os daqui e os de lá? Colônia para se igualar à metrópole é preciso deixe de ser colônia.    

Colônia é assim: dela se tira quase tudo; diz quase, porque nela fica o povo colonizado na miséria; brasileiro acha colonizador bonito e exemplar.

Triste trópico, diz o sociólogo: colônia despatriada, viralatista, ababacada; morre de besta achando o tal de “primeiro mundo” um paraíso a conquistar.

Brasil, uma colônia? Não quis ser outra coisa. Quem não quis e não quer? Não constituiu historicamente a decisão do governar suas coisas para si.

Mas as trocas entre tribos e nações não seriam um jeito e uma arte milenares? Sim, há trocas e trocas. Para que não sejam desiguais, os polos da troca se equivalham, equilibrem.

Da América portuguesa das trinta e duas décadas vencidas e do Brasil das vinte e duas seguintes, pouco se viu que não seja dependência.

A Independência real de 22 é aspiração de poucos, interditada por muitos: não se fez, nem se sabe ao certo se, no orbe, o caminho a seguir é mais tribalizar ou comungar povos.   

Incisiva prova de que o Brasil não quer deixar de ser colônia é entregar o destino da comida dos seus aos de fora. Pai ingrato, deixa seus filhos, famintos.

Ser colônia é não querer determinar qual o preço daquilo que vende. É dependurar-se ao dólar. Ser entreguista. Entregar os patrícios ingênuos ao flagelo da inflação e carestia.

É o que se chama, mansamente, “Brasil-colônia”, “Brasil-império”, República velhaca: água suja lavajateira emporcalha o Brasil; lavajateiros enxaguam dólares para o bico da Águia.

Terrível síntese: régulos escravistas, capazes dos eitos, ontem e hoje; régulos amorais, bolsos infames, infamantes, mortíferos.   

 

    

 

 

Fonseca Neto, historiador, da APL.  

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Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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