Um logro descomunal de esperteza e manipulação além de simbólico esse papo de “lei áurea” para significar a decisão que declarou abolida a escravidão no Brasil, após mais ou menos 350 anos.
“Lei nº 3353, de 13 de maio de 1888.
Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.
Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.”
Trata-se de uma lei de texto curto, talvez a mais lacônica do ordenamento legislativo jurídico do Brasil. É direta na “declaração”, sem dúvida impactante para a vida de parcela expressiva da população. Nada mais que isso.
E teria algo mais importante que não ser escravizado formal, registrado em Cartório como um bicho, um semovente? Tem, ser livre e dispor de meios para adquirir seu sustento e dos filhos que tiver. Significa ser livre, além da forma da lei.
Como assim? Somente a liberdade formal, “declarada” em lei, dizendo que se é livre? E a realidade além da declaração? Convém não esquecer que a lei não cria a realidade concreta. Lei é ficção que precisa ser socialmente efetivada.
Para aonde foram os escravizados do dia 12 de maio e já “livres” na forma da lei do dia 13? A lei que disse que não havia mais escravidão no Brasil, também acabou com a obrigação dos seus “donos” de assegurar comida e lugar p dormir para eles, o remediar na doença e até na defesa pessoal.
“Extinta” a escravidão, mas não extinta a necessidade de comer todo dia, e de dormir num lugar qualquer, muitos dos libertados saíram sem rumo, outros encontraram algum tipo de ganho salarial, e muitos ficaram com os ex-donos, trabalhando e morando de favor, por um punhado de comida. Como se diz hoje: condição análoga à escravidão.
Não há termo razoável de comparação entre viver como escravo e viver em liberdade. Mas de que liberdade estamos falando? A liberdade dos donos das terras e dos empregos não é a mesma liberdade de quem nem tem terra, nem casa e nem emprego.
A lei de 1888 apenas “declara” que não existe escravidão, mas não garante que uma pessoa não proprietária possa gozar da liberdade. E esses despossuídos são a maioria – e muito expressiva – da população.
A chamada “abolição da escravatura”, como ocorreu, na prática, foi uma maneira esperta encontrada pelos donos do poder no Brasil, de impedir o avanço da conquista do fim da escravidão associada com algum direito para os ex cativos.
Deve ser celebrada a abolição? Sim, mas não celebrar como dádiva de uma “bondosa” princesa das linhagens europeias. Da Europa cuja dinâmica social já suplantara a escravidão como forma predominante de trabalho.
Elite dominante cruel e manhosa a brasileira, em todos os tempos, ainda que tempos e conjunturas que se alteram na marcha da história. “Mudar” para não mudar; mudar para permanecer. Estrutura social não muda só com conversa. E as lutas reais tendentes ao transmutar a essência do corpo social-histórico, foram e são brutalmente interditadas, em geral com a eliminação física e cancelamento das ideias de quem as intentou.
Dizia um reluzente desses donos do poder no Brasil – coronel dono da Mídia oligárquica – que, tolo é, quem supõe que seu/e/poder de sua imensa máquina de “brincar” de poderoso, “valia muito mais pelo que não dizia”, do que o contrário.
Pois acrescento que a lei citada, de fato, para a vida real de milhões, desde 1888, impactou e impacta muito mais pelo que não disse: a negação de qualquer direito para manter sua vida. Já naquela noite de 13 de maio, milhões de trabalhadores eram lançados aos insondáveis da miséria absoluta e da consumação moral.
Imagine-se a humilhação de milhões de libertos voltando à vida real, junto a seus donos do dia anterior, para implorar um prato de comida e lugar para dormir.
Elite poderosa, portadora da demência infamante que a faz tarada por escravizar... Até hoje, não muda, certa classe média. Nestante, o bolsomorismo neoliberal, com o veneno nazi-fasci. Odeia trabalhador. Aliás, agora chama-o de “colaborador”. É muito serviçal da vil colonização escravista.