
Com honra e contentamento, tomarei posse na próxima quarta-feira como integrante da Academia Piauiense de Letras Jurídicas (APLJ), entidade fundada em 1981 e que se ocupou nestes 45 anos de manter e expandir a literatura jurídica como parte de um conjunto fundamental de saberes relacionados à prática do Direito e da Justiça em nosso Estado.
Inexiste em mim qualquer sombra de dúvida sobre o que posso considerar um privilégio de compor um colegiado em que estão alguns dos mais notáveis juristas do Piauí – todos movidos pelo firme propósito de assegurar que se perpetue um saber jurídico fincado na busca de Justiça como mecanismo de evolução civilizacional.
Mas me honra muito mais, eu diria que até me enche de desmedida felicidade, o fato de ocupar na APLJ, a cadeira cujo patrono é o Joaquim de Sousa Neto, que empresta seu honroso nome ao Fórum Cível e Criminal de Teresina e ao Fórum Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em Brasília, onde atuou como juiz e também na condição de um dos primeiros desembargadores.
Ante o fato de ocupar uma cadeira cujo patrono é um homem com uma trajetória profissional tão vasta quanto inspiradora, é imperativo de que me dê a obrigação de, sempre que possível, lançar luzes sobre uma existência tão especial e rica de um jurista nascido 109 anos atrás em Piracuruca, Piauí e que, por talento, dedicação e competência, inscreveu seu nome entre os luminares do saber jurídico no país.
Promotor de Justiça em seu Piauí por seis anos, entre 1942 e 1947, transferiu-se para o Rio de Janeiro, então capital da República, onde passou a exercer o cargo de juiz substituto, tornando-se titular como juiz criminal em 1951 – o que o levou a presidir alguns dos julgamentos mais importantes e impactantes da época, entre os quais se destacam os dos réus do atentado a Carlos Lacerda, o Atentado da Rua Tonelero, que mudou a História do Brasil; e dos acusados da morte de Aída Cury, cuja repercussão em todo o país o colocou no centro da polêmica que o caso causou.
Quando a capital do país foi mudada para Brasília, em 1960, Sousa Neto mudou-se também e passou a ser o juiz titular da 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Nessa condição, conforme anota o desembargador Edvaldo Pereira de Moura, em sua apresentação à edição do livro “A Tragédia e a Lei”, Sousa Neto exerceu a magistratura com sabedoria garantista, ou seja, para ele, julgar não poderia ser meramente condenar.
Assim, na primeira sentença criminal expedida na nova capital do país, a despeito de ter quatro processos em que expediria decisões – três delas condenatórias – optou para que a primeira fosse de absolvição, ante a inexistência de prova que maculasse a inocência do réu. Daí porque, disse No texto da sentença, carregado de sabedoria e bom senso, que, “havendo um inocente a absolver (um cearense, simples, humilde e sincero), a primeira sentença de Brasília, há de ser urna sentença de absolvição, como ato solene e irretratável de afirmação e de fé da nova Justiça da República”.
Suas palavras no voto decisório podem e devem guiar gerações “ad eternum”, porque, Sousa Neto nos ensina: “O Estado que subestima ou persegue a inocência é o Estado relapso ou arbitrário, perverso e apóstata. E a Justiça que o serve, acumpliciando-se com atos de rebaixamento do cidadão, é a justiça sem alma e sem coração, serva do despotismo ou de vãs cobiças, escrava dos outros ou de suas próprias fraquezas”.
O Estado brasileiro, contudo, não agiu com a mesma fé que guiava Sousa Neto, tanto que foi ele vítima da mesma sanha que feriu os direitos políticos de outro grande piauiense, Evandro Lins e Silva: o regime militar instalado no país em 1964, cassando-o como desembargador do TJDFT, do qual por duas vezes foi presidente. Foi compulsoriamente aposentado pelo AI-5.
Com biografia inspiradora e uma obra marcada pela ousadia e pelo ineditismo, Sousa Neto é nome para ser honrado e louvado. Por isso, tomo-me de orgulho em compor a Academia Piauiense de Letras Jurídicas na cadeira 29, com patrono que a engrandece.
