Política

PL DA DOSIMETRIA

Câmara aprova 'anistia' a golpistas e pena de Bolsonaro cai para dois anos

PL da Dosimetria, que prevê redução das penas dos condenados por tentativa de golpe, foi colocado em votação de madrugada por Hugo Motta

Da Redação

Quarta - 10/12/2025 às 08:53



Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados Câmara aprova
Câmara aprova "anistia" a golpistas; Bolsonaro será beneficiado

Em uma sessão marcada por autoritarismo, violência física e cerceamento da imprensa, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quarta-feira (10), às 2h26, o texto-base do chamado PL da Dosimetria, projeto que reduz as penas de condenados por tentativa de golpe de Estado. A medida, patrocinada pelo centrão e pilotada por Hugo Motta (Republicanos-PB), abre caminho para que Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses por comandar a trama golpista, deixe a prisão em cerca de 2 anos e 4 meses, segundo cálculos da equipe do relator, Paulinho da Força (Solidariedade-SP).

Apesar de aliados do bolsonarismo insistirem há meses na anistia, o projeto aprovado trata apenas de reduzir penas — embora, na prática, isso equivalha a um benefício direto aos golpistas, inclusive ao próprio ex-presidente. Bolsonaro cumpre pena na superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília desde 22 de novembro, após ter violado a tornozeleira eletrônica, o que levou o ministro Alexandre de Moraes a decretar prisão preventiva ao considerar tentativa de fuga.

A proposta segue agora ao Senado, onde Davi Alcolumbre (União-AP) afirmou que pretende votá-la ainda neste ano.

Violência, autoritarismo e intimidação 

A votação ocorreu após um dia de caos na Câmara. Em protesto contra seu processo de cassação, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) ocupou a Mesa Diretora e foi arrancado à força por policiais legislativos, por ordem direta de Hugo Motta. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), Rogério Correia (PT-MG) e Alencar Santana (PT-SP) também foram agredidos ao tentar proteger Braga. Os parlamentares registraram boletim de ocorrência e fizeram exames de corpo de delito.

Durante o tumulto, a segurança da Casa cortou a transmissão da TV Câmara e expulsou jornalistas do plenário — uma medida inédita e amplamente criticada por líderes do campo progressista. O líder do PT, Lindbergh Farias (PT-RJ), responsabilizou Motta pela escalada autoritária:

"Vossa excelência [Hugo Motta] está perdendo as condições de continuar na presidência dessa Casa... O que vossa excelência fez no dia de hoje é uma vergonha."

A oposição denunciou dois pesos e duas medidas: quando bolsonaristas invadiram e paralisaram a Câmara por 48 horas em agosto, nenhum deles foi removido com violência nem responsabilizado.

Manobra noturna e surpresa até para aliados

A decisão de pautar o projeto havia sido tomada por Motta ainda na manhã de terça (9), pegando de surpresa líderes partidários e até o próprio relator. A votação adentrou a madrugada e terminou às 3h56 com 291 votos a favor e 148 contrários, após derrotar todos os destaques.

A medida estava travada havia meses: o PL insistia na anistia total e o Senado não dava sinais de que votaria o tema. De acordo com parlamentares, uma combinação de pressões do centrão — incomodado com a candidatura presidencial ensaiada por Flávio Bolsonaro — e negociações discretas com figuras do Judiciário destravou a pauta.

Segundo o próprio Paulinho, o texto foi construído “em diálogo com lideranças partidárias e integrantes do STF”, e ele afirma que “não estamos dando anistia. Não tem anistia. As pessoas vão continuar pagando". O relator também declarou: "Vão pensar duas vezes [antes de fazer novamente]".

Porém, para parlamentares governistas e juristas críticos ao projeto, a redução na prática equivale a premiar golpistas que atentaram contra o Estado Democrático de Direito.

Como o projeto reduz penas

O PL estabelece que o crime de golpe de Estado absorve o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito — o que já reduz a pena total de Bolsonaro em 6 anos e 6 meses. O texto também flexibiliza a progressão de regime: hoje ela exige cumprimento de 1/4 da pena; a nova regra reduz para 1/6.

Outra novidade é permitir que dias trabalhados em regime domiciliar com tornozeleira contem para abater parte da pena: a cada três dias trabalhados, um dia é descontado.

Com a combinação de dispositivos, a redução do tempo em regime fechado pode variar: oposicionistas falam em 2 anos e 4 meses, enquanto outras leituras apontam para algo entre 3 anos e 4 meses e 4 anos e 2 meses — ainda muito abaixo dos 6 anos e 10 meses a 8 anos estipulados atualmente para progressão.

Bastidores: chantagem bolsonarista e disputa no centrão

Nos últimos dias, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) tentou pressionar o Congresso ao sugerir que abriria mão de sua recém-anunciada pré-candidatura presidencial caso o pai recebesse anistia. Depois recuou, dizendo que sua candidatura é “irreversível”, mas o estrago político já estava feito: líderes do centrão consideraram a atitude uma chantagem e reforçaram a oposição à anistia ampla.

Aliados relatam que Bolsonaro deu aval à redução de penas, admitindo que o projeto "não resolveria o problema dele, mas resolveria o de apoiadores". O PL, apesar de insatisfeito, concordou com a redução para tentar garantir que mais bolsonaristas condenados possam deixar a prisão antes do Natal. O líder da legenda, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou:

"Jamais vamos desistir da anistia... É o degrau possível nesse momento para que as famílias possam dignamente passar o Natal em suas casas."

A manobra de Motta, contudo, é vista por adversários do bolsonarismo como parte de um plano mais amplo do centrão para isolar o clã Bolsonaro e desidratar sua influência eleitoral.

Próximos passos

O projeto segue agora para o Senado, onde deve ser votado ainda neste ano. Caso aprovado, caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidir se veta total ou parcialmente a medida. A esquerda já sinaliza resistência, argumentando que o Congresso, ao reduzir penas de golpistas, envia um recado perigoso de impunidade logo após o STF concluir dezenas de condenações. A aprovação do PL da Dosimetria deve ser questionada na Justiça.

Fonte: Revista Fórum

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