Nesta semana lembramos o dia Internacional da Pessoa com Deficiência, 03 de dezembro. Nesta data, o mundo é chamado a refletir sobre inclusão, acessibilidade e direitos. No nosso estado, essa reflexão já começou a se transformar em prática concreta por meio do projeto Mente em Foco.
Os dados mais recentes do Censo 2022 do IBGE acendem um alerta que não pode ser ignorado: o Piauí tem 37.856 pessoas com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que corresponde a cerca de 1,2% da nossa população — e já podemos afirmar que esse número está subnotificado. Mais de 16 mil são crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, e uma parte importante está justamente na faixa das crianças de até 10 anos, idade em que o diagnóstico precoce é decisivo para garantir desenvolvimento, inclusão escolar e acesso a terapias.
Quando olhamos para esse cenário, estamos falando de milhares de famílias piauienses que precisam de neuropediatra, psicólogo, psicopedagogo e de um laudo definitivo para acessar direitos na saúde, na educação e na assistência social.
Foi diante dessa realidade que eu idealizei, junto com o empresário Vespasiano Carvalho, o projeto Mente em Foco. Decidimos tirar o debate dos discursos abstratos e levar, literalmente sobre rodas, uma estrutura de cuidado para perto de quem mais precisa. Em um microônibus adaptado, oferecemos atendimento gratuito e humanizado para crianças de 3 a 10 anos com comportamentos atípicos, em cidades que muitas vezes não contam com nenhum especialista nessa área.
O Mente em Foco funciona como um consultório itinerante preparado para acolher a criança por inteiro: sala sensorial, mesa para análise de escrita, painel sensorial, baú de brinquedos, piscina de bolinhas e área estofada para interação com a família. Tudo é pensado para reduzir a ansiedade, criar vínculo e permitir uma avaliação mais precisa e respeitosa.
A equipe é multidisciplinar — com neuropediatra, médica clínica, neuropsicóloga, psicopedagoga, enfermeira e psicóloga clínica — e é coordenada pelo Dr. Joniel Soares, neuropediatra e pediatra com residência em neurologia infantil e pediatria pela Universidade de São Paulo (USP). Além da atuação no consultório, o Dr. Joniel também tem experiência em neurogenética, com fellowship em genética pela Universidade do Porto, em Portugal.
Todo esse cuidado na formação da equipe existe para que possamos ouvir, observar, cruzar informações e construir encaminhamentos responsáveis, sem improviso e sem atalhos.
Desde junho de 2025, o Mente em Foco já passou por sete municípios — Parnaíba, Oeiras, Lagoa do Piauí, Santo Antônio de Lisboa, Pedro II, Floriano e Buriti dos Lopes — e atendeu mais de 2.000 crianças com a emissão de mais de 300 laudos médicos definitivosde TEA, emitidos depois de um processo de escuta, avaliação e diálogo com a família.
Não falo aqui de números para impressionar, mas de famílias que, após anos de incerteza, finalmente receberam um diagnóstico claro, embasado e responsável.
É fundamental registrar com toda a clareza: o Mente em Foco não é, nem pretende ser, uma “fábrica de diagnósticos”. Cada criança é avaliada individualmente, caso a caso, por uma equipe especializada, com tempo de atendimento, escuta qualificada e critérios técnicos. Quando não há elementos suficientes para fechar diagnóstico, não há laudo. Quando é necessário complemento, a família é orientada a buscar serviços de referência. O objetivo central não é “aumentar números”, e sim encurtar a distância entre as famílias e o cuidado especializado, sempre com respeito ao conhecimento da comunidade médica e às diretrizes das políticas públicas.
Também é importante esclarecer outro ponto: o foco do projeto, em termos de laudo, é o Transtorno do Espectro Autista. Em muitos atendimentos, o TEA não se confirma, mas surgem sinais de outras dificuldades de aprendizagem ou de desenvolvimento. Nesses casos, o papel da equipe não é laudar outros transtornos, e sim acolher, registrar os achados e orientar os responsáveis para que busquem acompanhamento na rede de saúde, na escola ou em outros serviços públicos. Assim, o Mente em Foco não substitui o que é próprio de cada política setorial; ele ajuda a organizar a demanda e a fortalecer a rede de proteção às crianças.
O projeto também ajuda a concretizar uma conquista importante no nosso estado: a Lei nº 8.048/2023, que garante a validade por tempo indeterminado do laudo médico pericial que atesta deficiência de qualquer natureza, incluindo o autismo. Na prática, isso significa que, quando uma criança recebe um laudo definitivo de TEA, esse documento não “vence” com o tempo.
Para as famílias, isso representa segurança jurídica, uma economia relevante em consultas e exames e o fim da angústia de refazer laudos repetidamente para manter benefícios, terapias e adaptações escolares.
Para uma família do interior, que vive com orçamento apertado, essa diferença é enorme. Em muitos casos, é a linha que separa a possibilidade de ter ou não ter diagnóstico; de acessar ou não terapias; de contar ou não com transporte escolar adaptado, cuidador na escola ou benefício assistencial.
Eu falo aqui como deputado estadual, mas também como alguém que tem ouvido, de perto, o relato de mães, pais e responsáveis em cada município por onde passamos com o Mente em Foco. Vejo nos olhos dessas famílias a mistura de alívio e esperança quando, depois de anos de dúvida, recebem um diagnóstico claro, um laudo definitivo e orientações sobre o próximo passo. Vejo também a revolta com o descaso histórico e, ao mesmo tempo, a coragem de recomeçar a partir daquele atendimento.
Mais do que responder a estatísticas, o Mente em Foco responde a um chamado humano: o de não deixar nenhuma criança para trás. Neste Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, eu reafirmo o compromisso de ampliar o Mente em Foco para mais cidades do Piauí; de garantir que mais crianças que precisam cheguem a uma avaliação qualificada, na idade em que a intervenção faz mais diferença; e de fortalecer a rede pública de saúde, educação e assistência, para que cada avaliação resulte em tratamento, inclusão e qualidade de vida.
Enquanto eu estiver na vida pública, seguirei lutando para que nenhuma criança neurodivergente do Piauí fique sem o cuidado, o respeito e as oportunidades que merece. Porque, por trás de cada porcentagem do IBGE, existe uma criança real, uma família real — e é por elas que o meu mandato trabalha todos os dias.
(*) Franzé Silva (foto acima) é deputado estadual pelo Piauí, pai de duas crianças com autismo, que tem dedicado seu mandato à defesa dos direitos das pessoas com deficiência
Redação
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