
O governo brasileiro aproveitou uma das sessões mais importantes da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada nesta quarta-feira (23), para criticar abertamente o uso de tarifas comerciais por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Sem citar diretamente o nome do mandatário estadunidense, o Itamaraty classificou as medidas como interferências inaceitáveis em assuntos internos de outros países, o que gerou o apoio de membros do Brics como Rússia e China, e provocou resposta imediata da diplomacia dos EUA.
A crítica brasileira é motivada pelas recentes tarifas de 50% impostas por Trump contra produtos brasileiros, supostamente relacionadas à situação legal de Jair Bolsonaro (PL) réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento em uma suposta tentativa de golpe de Estado. A prática, no entanto, não estaria restrita ao Brasil, tendo sido adotada também contra países como Colômbia, México, Canadá e a própria Rússia. Para o Itamaraty, esse tipo de política constitui uma ameaça ao sistema de comércio multilateral.
Durante reunião fechada em Genebra, o embaixador Philip Fox-Drummond Gough, secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, destacou com veemência os riscos desse cenário. “As negociações baseadas em jogos de poder são um atalho perigoso para a instabilidade e a guerra”, advertiu, de acordo com a reportagem. Segundo o diplomata, “infelizmente estamos testemunhando um ataque sem precedentes ao Sistema de Comércio Multilateral e à credibilidade da OMC”.
Sem mencionar Trump nominalmente, Gough afirmou que “tarifas arbitrárias, anunciadas e implementadas de forma caótica, estão desestruturando as cadeias globais de valor e correm o risco de lançar a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação”. Para o governo brasileiro, as tarifas violam princípios fundamentais da OMC, especialmente os relativos à não discriminação e ao tratamento de nação mais favorecida. "Elas perturbam o equilíbrio das condições de acesso ao mercado negociadas nas estruturas do GATT e da OMC por várias décadas", apontou o embaixador.
O ponto mais grave, segundo Gough, é o uso das tarifas como mecanismo de coerção política. “Estamos testemunhando agora uma mudança extremamente perigosa em direção ao uso de tarifas como uma ferramenta na tentativa de interferir nos assuntos internos de terceiros países.”
O diplomata reafirmou os princípios constitucionais da política externa brasileira. “Como uma democracia estável, o Brasil tem firmemente enraizados em nossa sociedade princípios como o Estado de Direito, a separação de poderes, o respeito às normas internacionais e a crença na solução pacífica de controvérsias.”
Gough sinalizou que o Brasil seguirá buscando soluções diplomáticas, mas está preparado para acionar o mecanismo de resolução de disputas da OMC, hoje parcialmente paralisado.“Continuaremos a priorizar soluções negociadas. Se as negociações fracassarem, recorreremos a todos os meios legais disponíveis para defender nossa economia e nosso povo”, garantiu.
Além disso, o Brasil voltou a defender a necessidade de revitalização do papel da OMC como árbitro imparcial nas disputas comerciais. "É essencial que a OMC recupere seu papel como um local onde todos os países possam resolver disputas e afirmar interesses legítimos por meio do diálogo e da negociação", declarou Gough.
O embaixador também citou artigo recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no qual o chefe de Estado conclama pela retomada do multilateralismo como resposta aos desafios globais. “Há uma necessidade urgente de retomar a diplomacia e reconstruir as bases do verdadeiro multilateralismo, um multilateralismo capaz de responder ao clamor de uma humanidade que teme por seu futuro”, escreveu Lula, segundo Gough.
Num chamado à mobilização global, o representante brasileiro fez um apelo às principais potências e aos países em desenvolvimento. “As maiores economias, que mais se beneficiaram do sistema comercial, devem dar o exemplo e tomar medidas firmes contra a proliferação de medidas comerciais unilaterais. As economias em desenvolvimento, que são as mais vulneráveis a atos de coerção comercial, devem se unir em defesa do sistema de comércio multilateral baseado em regras”, destacou o diplomata.
Fonte: Brasil247