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REPRESENTATIVIDADE

8 de março e a arte educadora que empodera futuras mulheres com bonecas negras

Afroempreendedora Drika Maria produz bonecas negras há quatro anos e tem o trabalho afirmativo para que crianças se vejam representadas durante a infância

Valciãn Calixto

Domingo - 08/03/2020 às 13:16



Foto: Valciãn Calixto Adriana Borges, mais conhecida como Drika Maria pela produção de bonecas de pano para crianças, personalizadas e decorativas
Adriana Borges, mais conhecida como Drika Maria pela produção de bonecas de pano para crianças, personalizadas e decorativas

Há quatro anos a arte educadora Adriana Borges, mais conhecida como Drika Maria, afroempreendedora no ateliê Drikas Bonecas, desenvolve um trabalho voltado à representatividade e empoderamento de crianças negras com a fabricação de bonecas de cor, raramente vistas nas prateleiras de lojas infantis em Teresina. As bonecas, garante, causam identificação, geram autoestima e estão além do lucro, pois são feitas com amor e propriedade.

“Trabalho com as bonecas de pano representativas há quatro anos e o que me levou a isso foi a falta dessas bonecas dentro do mercado infantil que não tem aqui em Teresina, basicamente, então eu como arte educadora, como mulher negra, querendo essa representação de um brinquedo afirmativo, comecei a trabalhar nessa linha das bonecas negras”, contextualiza.

Se a artesã iniciou essa produção há apenas quatro anos, pode-se dizer que uma sementinha foi plantada lá atrás, ainda durante a infância de Drika.

“Na minha infância tive a sorte de ter tido uma boneca negra, foi uma vizinha que fazia bonecas de pano, a Jesus, e eu tive essa boneca bem retinta, o tecido preto, cabelo bem colorido e roupinha colorida, mas foi a única e eu tive essa sorte, as bonecas de plástico todas eram brancas, magras, cabelo liso e loiras, não tinham essas variedades das bonecas”, relembra.

A história parece se repetir e sorte maior teve Bárbara, sobrinha do advogado Thiago Sousa, presenteada com o fruto da semente plantada por dona Jesus há mais de 30 anos, quando Drika ainda era uma criança. Hoje ela conta 39 anos de idade.

“Eu conheci o trabalho da Drika através de uma das minhas chefes no meu local de trabalho num período em que uma criança, a Bárbara, estava buscando algum brinquedo referente a ela, com o qual ela pudesse se identificar. Nesse período era aniversário, conversei com minha chefe e ela disse que conhecia a Drika, que era uma artesã que fazia bonecas negras. Ao falar com a Drika, eu consegui dá um acesso, fazer com que a Bárbara pudesse se ver enquanto indivíduo, enquanto criança negra naquela boneca”, comenta Thiago.

A pequena Bárbara super feliz com sua boneca Drika Maria

Para o advogado, os padrões atuais do mercado infantil dificultam o acesso a brinquedos, sejam heróis, bonecos, outros, que contemplem a diversidade das crianças.

“Até porque o mercado é extremamente racista. Se você for nas grandes lojas de Teresina, você vai ver, na maioria das vezes, brinquedos voltados para meninas, bonecas, loiras dos olhos azuis, as pessoas que são negras não conseguem se ver, se vislumbrar nessas bonecas, nesse padrão de mercado”, afirma.

De tempos em tempos, Drika tira a prova de que mesmo havendo uma ascensão do afroeemprendedorismo brasileiro, dados da GEM (Global Entrepreneurship Monitor) mostram que 56% dos microeemprendedores são negros, a representatividade por meio de produtos que contemplem a demanda do público alvo, (o censo do IBGE de 2018 aponta que 55, 8% da população brasileira é formada por negros e pardos), ainda é pequena.

“Tenho observado isso desde que comecei, sempre entro nas lojas e vou direto lá ver as bonecas, normalmente as bonecas negras estão embaixo e são bem menos, se tem dez bonecas brancas, só uma é negra e ela fica lá embaixo”, conta.

Em uma das poucas vezes que Drika flagrou no alto de uma prateleira, a boneca negra estava com o rosto coberto com o preço do brinquedo.

“Uma vez entrei numa loja, até bem conhecida aqui em Teresina, eu fui de propósito na seção das bonecas e estavam todas as bonecas brancas e tinha umas seis bonecas negras embaixo, a única que estava em cima tinha o papel do preço na cara, eu tive a audácia de tirar nem que o gerente brigasse, mas eu tirei e botei em outro local porque se é uma questão de representatividade, que é para mostrar essa boneca para a criança, pra quê esse papel cobrindo a boneca, acho uma falta de respeito”, disse.

REPRESENTATIVIDADE

De acordo com o Comunicador Social, Jordão Farias, que escreve sobre negritude e cultura pop, “representatividade é a qualidade de nos sentirmos representados por um grupo, indivíduo ou expressão humana, em nossas características, sejam elas físicas, comportamentais ou socioculturais. É por meio desta qualidade que nos sentimos parte de um grupo, pertencentes a eles, compartilhando impressões, experiências, sentimentos e pensamentos com seus membros”.

Para a filósofa Katiúscia Ribeiro, "representatividade importa e muito. Ao olhar o outro, é minha imagem refletida, meu espelho preto".

Karinny Pacheco durante visita ao ateliê de Drika

Uma das primeiras vivências que Drika presenciou ao participar de uma feira agroecológica na Universidade Federal do Piauí (UFPI), onde se formou em Arte Educação, foi exatamente sobre o compartilhamento de impressões e reafirmação de identidade. Ao notar as bonecas expostas, uma criança se aproximou e mostrou o brinquedo para a mãe dizendo o quão se pareciam. Emocionada, a mãe ficou com a boneca.

“Isso eu vi a primeira vez quando participei de uma feira na UFPI e botei as bonecas lá, ainda não tinha a noção, porque fiz curso de bonecas e iria fazer somente por encomendas, mas não ia seguir como sigo hoje, mas foi quando eu vi uma criança, ela segurou a boneca, pegou no cabelo e disse: olha, mamãe, parece com o meu, é um cabelo cacheado. Ali vi que nunca poderia parar por conta disso, essa criança se sentiu representada e a mãe comprou a boneca, achou bonito e aí sempre as pessoas dizem: eu não vejo em lugar nenhum, estou vendo aqui, gostei muito do seu trabalho, normalmente quando as pessoas me veem na feira sempre falam isso que elas não veem em outros lugares, isso pra mim é gratificante”, revela.

PIONEIRA

Igualmente artesã, Vanessa que trabalha especificamente com crochê, é outra a afirmar que o trabalho da Drika é único na capital.

“É a única pessoa que eu conheço que trabalha com esse tipo de boneca e é um trabalho incrível, ela consegue fazer obras maravilhosas, as crianças adoram, se veem dentro dessas bonecas que são o foco das bonecas delas e é assim como a gente se identifica na hora que vê, a gente percebe logo o desenvolver dela, é um trabalho feito com amor, com carinho”, fala.


“Hoje, você ter uma mulher negra, referência, que faz esse trabalho no Piauí, a gente tem que bater palma de pé para essa mulher, por isso quero falar do amor que eu sinto pelas bonecas da Drika Maria, fortalecer o trabalho dela, dizer que desejo muito axé, falar da importância e do carinho que tenho pelas minhas bonecas”, disse Joelfa Farias, umbandista.

O depoimento de Joelfa, que trabalha com artesanato voltado às religiões de matriz africana em Teresina, mostra que se a produção das bonecas feita pela Drika empodera crianças em nosso mundo físico, o mesmo acontece no mundo espiritual (para quem crê). Dentro da Umbanda, Joelfa presta caridade incorporando uma Erê chamada Luinha. Erês são entidades de luz que descem nos terreiros com o corpo astral de crianças. A manifestação desses seres elevados é sempre em tom de muita alegria, brincadeiras, de ajuda e auxílio a quem busca soluções, conselhos e outros trabalhos positivos em uma casa de umbanda.

“Ela [Drika] trabalha confeccionando bonecas negras e resgatando a ancestralidade, eu quero falar o quanto é especial pra mim. Ela sempre faz as bonecas das minhas Erês, aqui é a bailarina e aqui é a Teresa Bubu [diz mostrando as bonecas], foram confeccionadas especialmente para essa minha guia de Umbanda, pra Luinha e é a partir disso que falo da beleza, do comprometimento e que o que tece e costura essas bonecas, não são só linha, é ancestralidade, é amor, a Drika fala com o verdadeiro direito de ser uma mulher negra”, descreve.

“O trabalho dela é lindo, o detalhe do olho, o detalhe do coraçãozinho dentro do bonequinho, cada um tem seu coraçãozinho, é um trabalho manual, tudo feito por ela, é uma coleção programada só por ela”, pontua Vanessa.

Ao final da entrevista concedida ao Piauihoje.com, Drika disse sentir necessidade de que mais mulheres, em especial mulheres negras, se apoderem desse segmento no mercado artesão, pois segundo ela, há pessoas sem qualquer ligação com a cultura negra começando a fazer bonecas negras visando somente o lucro, o que é perigoso para o viés representativo e afirmativo que o artesanato sempre teve.

“O que eu viso não é somente o lucro, é a história, é identidade, é ver uma criança feliz sendo representada com uma boneca”, finalizou.

As bonecas produzidas manualmente por Drika, com ajuda de sua mãe e irmã em um pequeno ateliê localizado no bairro Dirceu II, zona Sudeste, já fazem a alegria de diversas crianças além das fronteiras do Piauí, a arte educadora já exportou para estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Bahia, Recife e Maranhão. As bonecas também atravessaram o atlântico e chegaram à Europa, mais especificamente à Espanha, Itália, Alemanha e Estados Unidos.

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