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REGULAMENTAÇÃO

Prefeitura não pode mais impedir Artistas de Rua em espaços públicos

PL é assinado pelos vereadores Enzo Samuel (PC do B) e Valdemir Virgino (PRP).

Valciãn Calixto

Sábado - 14/09/2019 às 10:00



Foto: Reprodução/Facebook Grupo Vagão nas ruas do Centro de Teresina
Grupo Vagão nas ruas do Centro de Teresina

 Os Artistas de Rua de Teresina já não precisam mais pedir autorização prévia à Prefeitura para a realização de suas performances em logradouros públicos. Isso porque foi sancionado na última quinta-feira (12), projeto de lei regulamentando e autorizando as apresentações. O PL é assinado pelos vereadores Enzo Samuel (PC do B) e Valdemir Virgino (PRP), mas só foi levado à votação na Câmara Municipal após o artista Jimmy Charles trazer uma cópia do estatuto aprovado no Rio de Janeiro e pedir que os vereadores ‘comprassem’ a proposta.

Para entendermos o trajeto até a lei ser aprovada na capital, precisamos voltar a 2016, quando Jimmy deixou a capital para se aprofundar em um segmento artístico denominado ‘Palhaçaria’. “Em 2016 fui estudar na Escola Livre de Palhaço (ESLIPA), lá a gente se instrui a respeito de tudo, pois a escola prepara o artista tanto para a rua quanto para o circo, então todos os temas são abordados”, disse.

Segundo o artista, o dispositivo do Rio de Janeiro, que regulamenta a apresentação dos artistas em espaços públicos tem autoria de Reimont, um vereador do PT à época, hoje deputado federal, e só foi votado após uma provocação do Fórum de Arte Pública e de um palhaço, mestre Richard Riguetti, que esteve na abertura do FESTLUSO (Festival de Teatro Lusófono), realizado no Piauí no último mês de agosto, com o espetáculo Paulo Freire, O Andarilho da Utopia.


“Quando entrei na escola, comecei a frequentar o Fórum e ouvi as demandas dos artistas públicos, foi assim que me interessei de trazer uma cópia da lei dos artistas para cá. Esse ano ia acontecer o II Encontro de Palhaços e Palhaças de Todos os Encantos aqui, o primeiro festival de palhaços que aconteceu em Teresina, eu estava na produção, fomos pedir um apoio [para o evento] ao vereador Enzo Samuel, levei também a lei, falei que a gente poderia adaptar pra criar nossa própria lei, perguntei se queria dar esse apoio. Ele comprou a ideia, a gente fez uma audiência pública na câmara de vereadores durante o Encontro de Palhaços e foi bem bonito, ele seguiu com o processo, a lei foi aprovada e hoje finalmente sancionada pelo prefeito”, relata.

O vereador Enzo é todo agradecimento ao Grupo Vagão, ao qual pertence Jimmy. “Ter essa lei aprovada é reconhecer e valorizar o nosso artista público e, acima de tudo, quem ganha com isso é a cidade de Teresina, porque através da arte podemos realizar uma grande transformação social e humana, através da arte temos como resgatar, como mudar e transformar. A arte é uma língua universal e quanto mais políticas de valorização, melhor para nossa cidade, para nosso estado e para o nosso país”, formulou.

Com a lei sancionada, a categoria não precisa de autorização para a realização de suas performances em locais como parques, praças, anfiteatros, largos, bulevares, outros. “Quando cheguei aqui em 2017, pra gente poder se apresentar no Parque da Cidadania, precisávamos ir até a SDU (Superintendência de Desenvolvimento Urbano) pedir autorização e pagar 40 reais, pra não pagar essa taxa tínhamos de pedir através da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, esperávamos essa autorização ser aprovada, a gente não podia vender nada nosso dentro do parque quando se apresentava também”, relata Jimmy.

De acordo com a publicação no Diário Oficial do Município (DOM), “as manifestações culturais de Artistas de Rua nos espaços públicos abertos independem de prévia autorização dos órgãos públicos municipais, desde que observados os seguintes requisitos: sejam gratuitas para os espectadores, permitidas doações espontâneas; prescindam de palco ou de qualquer outra estrutura de prévia instalação no local; utilizem fonte de energia para alimentação de som; tenham duração máxima de até quatro horas e estejam concluídas até às vinte e duas horas”.

Tal qual Jimmy, Luan é outro artista público, porém mais pragmático. “A gente vive um momento muito ruim porque temos que dizer o óbvio, tivemos essa conquista, foi correria dos artistas, mas a minha opinião é que é desnecessário dizer o óbvio, eu chegar num órgão público, que já não realiza atividade [cultural] e eu chegar e dizer que vou fazer, comunicar..., se é um espaço público, onde vou fazer uma atividade que não vai ferir nem desrespeitar a integridade de ninguém..., o poder público tem essas coisas, não fazem, mas proíbem que a gente faça”, reflete.

De todo modo, o artista entende que essa é uma graça positiva. “Toda lei que venha agregar é importante e válida para a gente que é artista de rua, apesar de que eu já tenho uma constituição que me dá essa liberdade de ir pra rua e fazer meu trabalho e não ser censurado”, pontua.

Jimmy Charles entende que a lei beneficia não só os artistas locais, mas também de outros estados. “Tem um artista de rua que está aqui em Teresina, o Messias, que disse que tem muita dificuldade pra se apresentar na Praça Rio Branco e na Praça da Bandeira, que os fiscais [da prefeitura] ficam querendo determinar os horários, isso pra ver como a lei é importante e não só pros artistas daqui, mas de outras cidades que passam por aqui”, afirma.

O artista revela que em um passado recente, outros grupos tiveram suas ferramentas de trabalho apreendidas. “Já ouvi relatos de grupos antigos daqui, o grupo Sinos [de Teatro] que uma vez foi reprimido na Praça da Bandeira, teve os instrumentos apreendidos”, conta. Tanto a Praça da Bandeira como a Rio Branco, estão localizadas no Centro da capital, onde a fiscalização da prefeitura acontece de modo mais intenso em cima de repentistas, atores, vendedores, artesãos, outros.

Mestre Biribinha


O palhaço e Mestre Biribinha conta 61 anos de carreira, é professor da Escola Livre de Palhaços do Rio, esteve em Teresina há uma semana e concedeu um parecer sobre a regulamentação. “Externo aos amigos e colegas a minha satisfação em saber que mais um Estado obteve essa conquista quando tantos estão trabalhando e se mobilizando para entristecer a nossa nação, assim o Piauí começa também a servir como modelo para outros estados”, expõe.

Mestre Biribinha falou ainda sobre a importância de sensibilizar os gestores. “Afinal de contas, determinadas autoridades não entendem que com o nome por si já se identifica, o logradouro é público e se é público é nosso, então necessário se faz que aconteça isso que aconteceu, que autoridades sejam sensibilizadas através da manifestação artístico cultural para que essas leis sejam sancionadas, entrem em vigor e nos deem a possibilidade de mostrar aquilo que temos e sabemos fazer”, externou.

Qualidade de Vida

Além de facilitar os trabalhos artísticos dos atores públicos, de acordo com Jimmy, o projeto vai proporcionar mais qualidade de vida aos teresinenses. “Quando você leva arte ao público, em um espaço público, você leva qualidade de vida. Qualidade de vida não é apenas ter bens, acumular dinheiro, fazer exercícios, é também ter direito e acesso a esses momentos de ruptura com a realidade, de abstração com a música, a dança, o riso, o teatro, a literatura, a poesia, isso também é qualidade de vida.

Jimmy aponta a relevância da Arte para balizar o dia a dia das grandes capitais. “Às vezes as pessoas se encontram numa rotina muito dura, onde você fica só do trabalho pro estudo, pra casa, não sai mais de casa, fica só na internet, por conta da violência e aí quando você tem um parque que pode ir se exercitar, encontrar pessoas, ter contato com a comunidade, assiste a uma apresentação artística, isso é qualidade de vida para as pessoas”, avalia.

A Lei

Conforme especifica a lei, as apresentações devem acontecer até às 22h. Em casos de mais de uma apresentação em um mesmo espaço, “bastará ao responsável pela manifestação informar ao órgão competente sobre o dia e hora de sua realização, a fim de compatibilizar o compartilhamento de espaço, se for o caso, com outra atividade no mesmo dia e local”.


 A legislação entende como atividades culturais de rua o teatro, a dança, a capoeira, o circo, a música, o folclore, a literatura, dentre outras. Também fica permitida “durante a atividade ou evento, a comercialização de bens culturais duráveis como CDs, DVDs, livros, quadros e peças artesanais, observadas as normas vigentes”.

Ocupação

A gente está muito feliz e agora é aproveitar, né, a prefeitura está investindo muito em parques públicos na cidade, foi inaugurado o Parque do Mocambinho (zona Norte) no dia 30, no dia 16 de agosto foi inaugurado o Parque da Macaúba (Centro Norte), faltam os artistas agora abrir a cabeça e ocupar os espaços, não ficar só esperando o público ir até o artistas, mas o artista pode ir até o público e isso ajuda a formar uma plateia”, finalizou.

 RJ

Se a lei aprovada em Teresina tomou como base o estatuto municipal carioca, em junho deste ano, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proibiu as performances de artistas em coletivos, estações de metrô e trem, declarando inconstitucional a legislação estadual que regulamentava a prática. O fato deu-se após o deputado à época, Flávio Bolsonaro, hoje senador, questionar a legislação por meio de ação judicial.

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