A história de Sine Marques Mesquita daria um livro. Em sete anos, ele foi da pobreza absoluta à riqueza inesperada. Conquistou, com o dinheiro, a bajulação dos amigos, de desconhecidos e até da família. Casou-se, em 31 de dezembro de 1976, com a filha do dono do cinema e uma das moças mais bonitas da cidade. A recepção foi no clube mais importante de Bacabal, lá no interior do Maranhão. Os camarões pulavam no prato dos convidados. Uísque importado. Políticos importantes do estado marcaram presença. Era o evento social do lugar. Flashes e mais flashes. Sine estava feliz. E riquíssimo. Nunca pensou que um dia fosse viver aquilo. Passado o conto de fadas, esse mesmo homem hoje, sem amigos, sem ser convidado para mais nada, amarga a pobreza, muitas dívidas e uma desesperança sem fim.Mas voltemos ao começo da história de Sine. Dessa mesma Bacabal, ele partiu, em 7 de setembro de 1969, para a terra de JK. Tinha 18 anos. Os pais, um gesseiro e uma dona de casa, tinham vindo na frente. O velho gesseiro intuiu que aqui os 10 filhos teriam vida melhor. No Maranhão, Sine trabalhava na roça. Na escola ele pisou por poucos meses. "Aprendi apenas a escrever meu nome e ler uma coisinha ou outra", conta. Sine partiu para Brasília. Aqui, parou na QNH, em Taguatinga, num barraco de dois cômodos. "A gente era 11 pessoas no mesmo barraco. Não tinha cama. O povo dormia em rede e o frio daquela época quase mata a família toda." E relembra um dos momentos que mais o marcou: "Como só meu pai tinha emprego e recebia no fim da semana, quando chegava quinta-feira, a gente só jantava. Não dava pra almoçar e jantar".Mas Sine, então com 23 anos, resistiu. Seguiu a intuição do pai. Aqui seria melhor do que o trabalho de lavrador na roça. E logo arrumou bicos como gesseiro. Os anos passaram. Sine, o pai e os irmãos trabalharam sem cessar. A glória era ter, no mesmo dia, almoço e janta. Chegou outubro de 1975 - gravem esta data. Um dia, como pagamento de um serviço de gesso (para ganhar mais um dinherinho ele pegava muitos bicos) que havia feito para um médico, recebeu 10 cruzeiros, moeda da época. Contente todo, o gesseiro foi numa casa lotérica, em Taguatinga. E fez, no meio da semana, uma fezinha na Loteria Esportiva - sim aquela mesma da zebrinha do domingo no Fantástico.Sine (se pronuncia Siné) apostou um só cartão, com dois jogos duplos. Desembolsou, do dinheiro que havia recebido como pagamento, dois suados cruzeiros. "Isso fazia falta lá em casa" ele diz. Era a aposta no concurso 258. No sábado, Sine foi ao trabalho, no Conic. Era dia de o patrão fazer pagamento para os operários. Justamente Sine ficou sem receber. "Só vou pagar você na segunda. E se você faltar, não vai receber nunca mais", disse o patrão, quase feitor. "Cheguei em casa e contei pra minha mãe por que não tinha levado o frango do almoço do domingo. Ela me abraçou e chorou junto comigo pela humilhação que eu passava."Ao longo da semana, pelo radinho de pilha, Sine acompanhava os jogos daquela rodada. Primeira zebra: em pleno Maracanã, Atlético Paranaense bateu o Flamengo, com Zico e companhia. Um a zero. "Foi o primeiro ponto que acertei", conta. Noutro jogo, Palmeiras e Santa Cruz, logo no primeiro tempo o Palmeiras fez 2 a 0. No segundo tempo, o Santa Cruz voltou irado. E fez uma revirolta; Derrotou o Palmeiras por 3 a 2. "Givanildo arrebentou. Outra zebra e o meu segundo ponto..." ele conta, com memória impressionante.ZebrinhaDe zebra em zebra, Sine foi somando pontos. Fez os 13. Antes de o Fantástico começar e a zebrinha aparecer, ele já sabia disso. Mas esperou a danadinha ("olha eu aqui outra vez", lembram-se?) marcar um a um dos jogos. Não havia erro. Sine havia acertado todos os jogos. "Fui pra igreja, onde fazia parte de um grupo de jovens, e não contei pra ninguém", diz. Na volta, ao ver a mãe na cozinha, começou a chorar e lhe disse: "Mãe, Deus lembrou de nós. Acertei na loteria esportiva". Ela o fitou e devolveu: "Deixa de história, Sine. Tu vive brincando com isso..."Era verdade. Sine era um dos 26 ganhadores do concurso 258. Acabara de embolsar Cr$ 1.030.410,90. E, em valores atuais, segundo o economista Roberto Piscitelli, ouvido pelo Correio, corresponderia a R$ 1.191.323,92. No entanto, se Sine tivesse investido o prêmio em uma aplicação que rende 1% ao mês de juros, teria hoje em torno de R$ 18 milhões.Em 26 de outubro de 1975, aos 23 anos, o gesseiro ficara riquíssimo. Era dinheiro demais. Dinheiro que Sine, como gesseiro, iria passar a vida inteira para ganhar: morreria, reencarnaria, morreria de novo e não o veria à sua frente. Nem em sonho. "Demorou pra ficha cair. Eu nem dormi naquela noite. Suava frio", conta.Na segunda-feira, Sine não foi ao Conic, para trabalhar. O patrão-feitor perguntou a um operário pelo paradeiro do gesseiro. Ainda ironizou: "Ele morreu?" Mal sabia ele que Sine àquela altura entrava numa agência da Caixa Econômica Federal, na W3 Sul, com o bilhete premiado. "O gerente me disse que se eu colocasse na poupança receberia por mês 30 mil cruzeiros (em moeda atual, ainda segundo o mesmo economista, R$ 34.684)", ele diz. Sine não ouviu os conselhos do gerente. Apenas abriu uma conta e ali deixou a bolada. Voltou pra casa. Queria comprar muitos imóveis, ajudar os irmãos e comprar o carro dos sonhos: um Maverick amarelo. "Tinha uma novela que o ator diriga um. Fiquei doido quando vi", lembra.Três dias depois do resultado do concurso, dono de si, o rapaz de bermuda, camiseta e chinela de dedo (na verdade, além da bermuda, ele tinha mais duas calças e duas camisas) teve a sua história contada no Correio. No mesmo dia, 29 de outubro, ele chegou a uma revendedora de carros, na Asa Norte. Seu Maverick amarelo, zeradinho da silva, estava ali, olhando pra ele. Ao perguntar ao vendedor quanto custava, o homem lhe respondeu, com desdém: "Vamos deixar isso quieto, você não tem dinheiro mesmo..."PaparicosSine se apoquentou. Chamou o gerente. Mostrou-lhe a página do jornal, que carregava no bolso. O homem ficou sem voz. E lhe disse: "Ah, você é o milionário da loteria! Bem que eu tava reconhecendo você...". O gerente lhe encheu de mimos. Sine comprou o carro dos sonhos e ainda fez adaptações: "Mandei colocar farol amarelo, rebaixar meia polegada, volante esportivo, vidro fumê. Gastei 36 mil cruzeiros". Dias depois, o carro ficou pronto. Como não sabia dirigir, um irmão trouxe a "máquina" até a QNN 21 de Ceilândia Norte, onde a família morava.No dia seguinte, mesmo sem noção nenhuma de direção, Sine achou que sabia dirigir. "Aqui não tinha asfalto. Atolei o carro na primeira volta", conta. E reflete: "Um cara com dinheiro acha que sabe tudo". Antes de saber que o parente estava rico, um primo de Sine, dono de uma loja de calçados, lhe cobrou seis cruzeiros de uma par de sapatos que ele havia comprado. "Ele me disse que se eu não pagasse, iria protestar meu nome". Rico, foi a esse primo o primeiro empréstimo de Sine. "Ele me pediu 100 mil cruzeiros."E o milionário da Loteria Esportiva começou a ajudar a família inteira. Comprou carros para dois irmãos. E casas para investir no futuro. Quer saber? Mansão na QNA 35, na QND 10 (com piscina), na QNE 22, na L Norte. Investiu também em lotes. E para toda a família deu uma viagem para o Nordeste, onde não iam havia anos. Mudou-se com os pais para a casa da QNA. Deixou o barraco humilde em Ceilândia fechado. "Era a primeira vez que meus pais iam ter conforto", reflete. E namorou como nunca. Mulher não lhe faltava. "Gastei com rapariga e carro...", brinca.Mea-culpaNum passeio pelo Maranhão, encantou-se com uma fazenda maravilhosa de 571 hectares. Vendeu a casa da QND para comprá-la. E pra lá se mudou, em 1976, com sua mulher Vera Regina Brígido, hoje com 49 anos, a filha do dono do cinema de Bacabal. Comprou gados. Caminhonetes, que trocava a cada seis meses. Virou o rei do lugar. Emprestava dinheiro a quem lhe pedisse. "O povo queria ir pro garimpo, aí vinha me pedir e eu arrumava", diz.Em 1979, uma proposta irrecusável o fez vender a fazenda dos seus sonhos. "Recebi um milhão e duzentos mil cruzeiros (mais que o prêmio da Loteria Esportiva) e uma Caravan zerada", conta. Em 1980, foi para Roraima, onde mora um irmão. Ali, abriu um comércio. Faliu. O dinheiro se acabava a olhos vistos. Em 2004, voltou para Brasília, para a mesma casa simples em Ceilândia onde toda essa história começou. O poderoso Sine arrumou um emprego como motorista de ônibus. Hoje, está desempregado. Tentou abrir, há um ano, com o pouco dinheiro que ainda lhe restava, uma loja de automóveis usados, em Taguatinga. Quebrou de novo. O telefone da casa está cortado e estourou o limite do cheque especial, de R$ 500. Restaram as dívidas e cobranças na sua porta todo dia. "É a pior humilhação que um homem pode passar na vida. Passamos necessidade de não ter comida em casa."Na manhã de sexta-feira, o ex-milionário, aos 57 anos, com falha dos dentes inferiores, recebeu o Correio para contar, pela primeira vez, a derrota que virou sua vida. "Não tive experiência com dinheiro. Se fosse bem orientado talvez não tivesse perdido tudo", lamenta. E faz uma mea-culpa: "Hoje, com a idade que tenho, não teria vendido meus imóveis pra comprar a fazenda e o gado".Vera, mãe dos dois filhos de Sine (um rapaz de 30 anos e uma moça de 25) acompanha o marido. Moça criada a pão de ló em Bacabal, ela analisa: "O Sine é bobo demais. Ele tira do que não tem para ajudar os outros. Quando ganhou na loteria, a família dele paralisou, todo mundo ficou por conta dele. Agora, ninguém ajuda ele em nada". Sine intervém: "Não tenho mágoa, nem raiva de ninguém. Só queria pagar minhas dívidas". E confessa: "Às vezes, penso em fazer uma loucura na minha vida, mas tenho dialogado muito com Deus". Sentado numa cadeira de balanço, ele observa: "Dormir pobre e acordar rico é um sonho. Mas dormir rico e acordar pobre é um pesadelo".Sine avalia sua trajetória de um dia homem rico: "O dinheiro não me mudou em nada. Sempre gostei de ajudar as pessoas humildes. Nunca neguei nada pra ninguém. Não mudei meu comportamento". E admite, entristecido: "O dinheiro complicou a minha vida". Essa é a história de um homem que, pobre de tudo, conheceu, num bilhete premiado, a riqueza e o conforto que ela pode trazer. Em sete anos, esse homem perdeu tudo que tinha. Hoje, conta centavos. E lamenta, até, um dia ter experimentado o luxo de ser milionário.
Fonte: Correioweb
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