
Apesar de a lei garantir que ninguém pode ser responsabilizado pelos crimes dos pais, filhos de assassinos célebres têm buscado a Justiça para remover oficialmente qualquer vínculo com a origem familiar. Carregar o nome de quem protagonizou casos chocantes no Brasil tornou-se um peso insuportável. Casos recentes envolvendo Cristian Cravinhos, Elize Matsunaga e Anna Carolina Jatobá ilustram a herança simbólica que esses descendentes tentam deixar para trás. A reportagem é de Ullisses Campbell, no O Globo.
Em fevereiro, uma decisão unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a um homem de 27 anos o direito de remover o nome do pai, Cristian Cravinhos, de sua certidão de nascimento e de todos os seus documentos. Cristian Cravinhos foi condenado pelo assassinato dos pais de Suzane von Richthofen em 2002. “Não adianta nada não carregar o sobrenome, mas ter o nome inteiro do pai criminoso no campo da filiação”, argumentou o rapaz no processo.
Segundo o processo, Cristian teve contato com o filho apenas três vezes durante a vida e já havia cortado vínculos afetivos antes de ser preso. O jovem também relatou ter sofrido bullying e constrangimentos, o que o forçou a mudar de colégio várias vezes.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, destacou em sua decisão:
“O genitor não apenas rompeu com a mãe, mas também abandonou completamente o filho, privando-o de qualquer apoio afetivo ou material, evidenciando a total quebra dos deveres parentais.”
A ausência de laços afetivos é um dos critérios aceitos pela Justiça para a exclusão de paternidade ou maternidade. Outros motivos incluem erro no registro civil, ausência de vínculo biológico ou adoção.
Outro caso relevante envolve a filha de Elize Matsunaga, condenada a 16 anos de prisão pelo assassinato e esquartejamento do marido, Marcos Matsunaga, em 2012. Os avós paternos da menina, Mitsuo e Misako Matsunaga, que têm a guarda da adolescente de 14 anos, movem uma ação para remover judicialmente o nome de Elize da certidão de nascimento dela.
A advogada de Elize, Juliana Fincatti Santoro, contesta a tentativa.
“Minha cliente quer exercer o direito de ser mãe. Ela não cometeu nenhum crime contra a filha, sempre demonstrou afeto e tem plenas condições de cuidar da menina”, argumentou.
Elize também tomou a decisão de se desvincular do próprio passado, removendo o sobrenome Matsunaga de seus documentos e hoje se apresenta como Elize Araújo Giacomini.
Esse movimento também foi seguido por Anna Carolina Jatobá, condenada pela morte de sua enteada, Isabella Nardoni, em 2008. Ao sair da prisão, ela excluiu o sobrenome de seu ex-marido, Alexandre Nardoni, e voltou a usar seu nome de solteira. Seus dois filhos também passaram a adotar apenas os sobrenomes Alves (do pai) e Jatobá (da mãe). Atualmente, ela tenta garantir cidadania italiana para os filhos.
A mudança de nome tornou-se um procedimento menos burocrático com a Lei nº 14.382/2022, que permite a qualquer pessoa maior de 18 anos alterar o prenome uma vez sem justificativa, diretamente em cartório. O sobrenome pode ser alterado quantas vezes for necessário, desde que haja base legal, como casamento, divórcio ou vínculos familiares.
Entretanto, a exclusão do nome dos pais exige uma análise judicial mais rigorosa.
“O objetivo da lei é equilibrar o direito ao recomeço com o dever de preservar a memória e proteger terceiros”, explica a advogada Mabel de Souza Pinho.
Até mesmo os próprios condenados tentam se dissociar dos nomes ligados aos crimes. Suzane von Richthofen, condenada a 39 anos de prisão e atualmente em liberdade, trocou oficialmente seu nome para Suzane Louise Magnani Muniz, adotando os sobrenomes da avó materna e do companheiro. Já Daniel Cravinhos, irmão de Cristian e também condenado, alterou seus documentos duas vezes: primeiro ao adotar o sobrenome da ex-mulher e, mais recentemente, o da atual esposa.
Mesmo diante das mudanças, Cristian Cravinhos mantém uma postura firme quanto ao próprio nome:
“Caí com esse nome, vou me levantar com ele.”
Fonte: Brasil 247