![Quanto mais forte e justo o coletivo, mais amplo o voo do indivíduo](https://piauihoje.com/uploads/imagens/design-sem-nome-1739541695.jpg)
A busca pela liberdade, muitas vezes idealizada como uma jornada solitária, desvela-se, em sua essência, como uma obra coletiva. É nas redes da comunidade que o indivíduo não apenas encontra recursos para florescer, mas também aprende que a verdadeira liberdade é feita de vínculos, não de rupturas.
Karl Marx e Friedrich Engels já apontavam essa verdade na Ideologia Alemã ao afirmar que "é somente na comunidade com os outros que cada indivíduo tem os meios de desenvolver suas faculdades em todos os sentidos; somente na comunidade, portanto, a liberdade pessoal torna-se possível". A liberdade, assim, não é fruto do isolamento, mas da interdependência — um paradoxo que une autonomia e solidariedade.
Para Marx e Engels, a comunidade transcende a mera soma de indivíduos; é o terreno onde habilidades se entrelaçam, onde a troca transforma potenciais em realidades. A liberdade materializa-se não na ausência de limites, mas na presença de relações que garantam acesso igualitário ao conhecimento, à criação e aos meios de vida. A liberdade, nesse sentido, é um tecido social: quanto mais forte e justo o coletivo, mais amplo o voo do indivíduo.
Bell Hooks, com sua lucidez afiada, amplia essa visão ao introduzir o amor como ato libertador. "Ao escolhermos o amor, escolhemos também viver em comunidade... No momento em que escolhemos amar, começamos a avançar em direção à liberdade, a agir de forma a libertar a nós mesmos e aos outros", ensina Hooks. Para ela, o amor não é um refúgio íntimo, mas uma prática ética e política — um compromisso diário de desmontar dominações e cultivar espaços onde todos possam respirar dignidade. Amar, nessa ótica, é insurgir-se contra a indiferença e assumir a responsabilidade pelo outro, reconhecendo que a própria liberdade é inseparável da do coletivo.
E é aqui que a mística de Teresa de Lisieux irrompe, trazendo uma profundidade espiritual ao diálogo. "Amar é tudo dar, e dar-se a si mesmo", proclamou a santa, sintetizando em poucas palavras a essência do amor como doação radical. Se Hooks fala do amor como escolha ético-política, Teresa o revela como entrega total — um movimento que dissolve as fronteiras entre o eu e o outro. Dar-se não é renúncia, mas afirmação: só na doação generosa de si mesmo é que se constrói a comunidade verdadeira, onde ninguém é reduzido a instrumento, mas elevado a sujeito de sua história.
A convergência dessas vozes — materialista, ético-política e espiritual — desenha um mapa para a liberdade autêntica. Marx e Engels oferecem a estrutura: uma sociedade que distribua os meios de desenvolvimento. Bell Hooks acende a chama ética: o amor como alicerce da ação coletiva. Teresa de Lisieux aprofunda o gesto: a liberdade exige que nos doemos inteiros, sem reservas. Juntas, elas mostram que não há justiça sem compaixão, nem revolução sem amor — e que a comunidade só se sustenta quando se torna espaço de doação mútua.
Nessa sinergia de visões compreendemos que libertar-se é um ato de criação contínua. A comunidade não nos aprisiona; pelo contrário, é na sua ausência — ou na sua corrosão pelo individualismo — que nos tornamos prisioneiros. Escolher o amor, como propõe Hooks, é insurgir-se contra toda forma de opressão que fragmenta os laços humanos. É entender que minha liberdade está intrinsecamente ligada à sua — e que só seremos plenamente livres quando nenhum de nós precisar dobrar-se sob o peso da solidão, da exploração ou do desamor.
Seguir Teresa é entender que essa rebeldia exige mais que protesto: exige entrega. Dar-se não é fraqueza, mas a força que dissolve a ilusão do "eu" separado. Minha liberdade é tua, tua luta é minha — e só seremos plenos quando nenhum de nós precisar carregar, sozinho, o fardo da exclusão.
Assim, essas perspectivas se fundem em um convite urgente: construir um mundo onde a comunidade não seja um projeto, mas uma prática diária de amor e justiça. Onde a cooperação se sobreponha à competição, onde o cuidado mútuo seja comum, e onde cada gesto — do compartilhar o pão ao lutar por direitos — seja permeado pela doação de si. Pois, como lembra Teresa, amar é "tudo dar", e nesse tudo se inclui a própria vida, transformada em semente para um novo amanhã. A liberdade, então, não é um porto distante, mas o horizonte que se alarga quando caminhamos lado a lado, carregando uns aos outros — não por obrigação, mas por amor.
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