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Teresina surpreende Dallari

Planejamos tudo, eu, estudante de Direito e presidente do DCE, e um grupo aguerrido que então reorganizava a volta do Centro Acadêmico de Direito

Fonseca Neto

Domingo - 10/04/2022 às 22:12



Foto: Divulgação Dalmo Dallari
Dalmo Dallari

Uma notícia caiu como seta fatídica neste dia 8 de abril: o silêncio eterno de Dalmo de Abreu Dallari, que defendeu a insistência na busca da justiça tal o combustível para a forja da democracia. Um brasileiro exemplar.    

Vejam esta história: no ano de 1981, estudantes de Direito da Ufpi, por ocasião do Jubileu de Ouro desse curso, promovemos uma grande comemoração e convidamos o professor Dallari para conferenciar sobre Direito e Democracia. A Ufpi não celebrou oficialmente o aniversário e nós fizemos a festa. Do nosso jeito, claro. Para começo de conversa, logo resolvemos orientar a efeméride no sentido contrário ao costumeiro bolor conservador do ambiente das escolas de Direito – quase todas apoiavam a Ditadura. 

Planejamos tudo, eu, estudante de Direito e presidente do DCE, e um grupo aguerrido que então reorganizava a volta do Centro Acadêmico de Direito, criado ainda na década de 1930.

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Programação forte: publicações e debates em sala sobre os rumos do curso. E investimos bastante na realização de um grande ato solene, juntando no Centro de Convenções de Teresina todos os estudantes e professores ligados ao curso desde 1931. Conseguimos. O nosso prêmio: ouvir uma Conferência Magna justamente com o jurista Dalmo Dallari, que aceitou convite e veio essa única vez aqui. 

E a surpresa? A polícia havia assassinado, há pouco tempo, o líder operário Santo Dias da Silva, num piquete de greve, em São Paulo. Logo depois, foi produzido um filme-denúncia sobre o lastimável ocorrido – chamado “A luta do povo”–, cenas fortes do crime e enterro. Filme proibido ferozmente. Mas nós, aqui, nos cotizamos, e adquirimos uma cópia da fita, às escondidas trazida de São Paulo, de ônibus. Fizemos várias exibições. Tomada pela polícia depois.

Pois no imenso Auditório do Centro de Convenções, que era também a maior Sala de Cinema da cidade, contando com a simpatia do operador, já nos minutos iniciais da solenidade jubilar, apagamos a luz e rodamos a fita proibida na telona. Botamos guarda na entrada da sala de projeção.  

Dalmo assistiu, à primeira filha, junto com praticamente todo o Poder Judiciário e político do Piauí, autoridades universitárias e outras. É indizível a lembrança do semblante das pessoas quando as luzes se acenderam 25 minutos depois. Quem não saiu no escurinho. Outros se retiraram em protesto, rostos para o chão.  

Dallari fez sinal e me chamou – eu abriria a sessão – e disse, sorriso ironicamente simpático: “favor..., pelo menos diga que não fui eu que trouxe a fita de SP.” Assim fiz.        

Jurista e professor exponente do curso de Direito, da USP, amado calorosamente pelos amantes da Liberdade; menosprezado por tiranos e sacripantas em geral. Os negacionistas de hoje o detestam, ainda que nem saibam de quem se trate.

Dalmo Dallari é um ícone da luta por justiça no Brasil, cujo papel cívico teve fundado relevo nas jornadas insones contra a Ditadura Militar implantada pelo golpe de 1964. 

Perseguido pelo regime militar, fizeram-se próximos, ele, e o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo à época dos “anos de chumbo”. Ambos atuando na defesa intransigente dos perseguidos políticos em geral, o que para a Ditadura uma afronta.

Episódio que muito chamou a atenção sobre a pessoa e a coragem de Dallari, o sequestro dele por extremistas de direita pró Ditadura, em julho de 1980, véspera de uma missa pontifical do papa João Paulo II em São Paulo, em que o jurista faria – como de fato fez – uma das leituras da liturgia.

Fez, porque os sequestradores aparentemente “só quiseram” dá um susto nele, e na própria Igreja, com o Sumo Pontífice presente no Brasil. Dalmo presidira a Comissão Justiça e Paz, arquidiocesana, a convite de Arns. 

A imagem de Dallari fazendo a leitura, ferido, com curativos, correu mundo e ajudou derrocar a Ditadura. No Brasil, então, jornalistas de todos os grandes jornais do mundo, ampliaram a voz pelo fim do Regime Militar.  

Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
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