Proa & Prosa

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Duzentos anos querendo independência

Estruturalmente ultrapassado o antigo sistema do chamado “mercantilismo” moderno, essa espécie de novo pacto colonial garantiu a fidelização brasileira

Fonseca Neto

Sábado - 26/02/2022 às 17:52



Foto: Divulgação Monumento Batalha do Jenipapo
Monumento Batalha do Jenipapo

A propósito das recordações do ato no Ipiranga em 7 de setembro de 1822, pipocam iniciativas de celebração da passagem dos 200 anos do episódio, em diversos lugares e de variados modos. 

No Piauí, por sugestão do Instituto Histórico e Geográfico, à época do tricentenário da municipalidade mocho-oeirense, 2017, foi instituída Comissão pelo governo estadual com vistas a tais efemérides, tomadas como oportunidade de se fazer necessárias revisitações temáticas e atualizar um debate que não para. 

De um modo geral, a historiografia sobre o “7 de Setembro” é valorosa – sobretudo aquela publicada na época do Sesqui, começo dos anos 1970 – que constitui um deslocamento de foco sobre o episódio do Ipiranga e sua “mitologia” patrioteira. 

O processo que resultou na separação política do Brasil em relação a Portugal, do ponto de vista formal, significou a dissolução do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Com alguns episódios menores, e certa tensão entre Lisboa e Rio de Janeiro, o desfecho é aquele que os mais atentos sabem: articulou-se um potente acordo diplomático para resolver diferenças e o que seria a Independência, até hoje, não passa de eficiente pacto de conservação do Brasil como um anexo das metrópoles colonizadoras – no caso, a partir daquelas primeiras décadas do Oitocentos, sob o controle do Império Britânico.  

Estruturalmente ultrapassado o antigo sistema do chamado “mercantilismo” moderno, essa espécie de novo pacto colonial garantiu a fidelização brasileira aos interesses britânicos, numa concertação que já então envolvia os Estados Unidos. 

Desde 1815 o Brasil se tornara um Reino, Unido a Portugal, entre outras razões pela circunstância de estar, então, instalada na cidade do Rio de Janeiro a sede da monarquia portuguesa, desde 1808. Em face de tal contingência, quando Lisboa resolve dissolver essa entidade política chamada Reino Unido, uma parte da elite colonial brasileira se coloca contrária à medida e fecha com a manutenção do Reino. 

Reino Unido? Sim, é o que quase todos querem. Mas ainda que desunidos os dois reinos, fique o Reino do Brasil governado pelo mesmo rei, assim o querer. hegemônico. Ou, na pior das hipóteses, disponível, ficasse a antiga colônia tropical sob o governo do herdeiro do trono de Portugal, Pedro. O que de fato ocorreu. Foi esse herdeiro – que tinha mesmo o título honorífico de “príncipe do Brasil” – o que foi coroado como Pedro I por uma facção da elite econômica-política do Rio de Janeiro e entorno paulista-mineiro. Até nesse ponto, falar e de fato querer Independência do Brasil era algo difuso e aparentemente inatingível.  

Esse o acontecimento decisivo, em síntese corrida, esquemática. E o norte da América portuguesa? E o Piauí? 

Às capitanias ou chamadas “províncias do norte” coube se ajustarem aos encaminhamentos tomados na sede carioca da monarquia dos Bragança, o Rio de Janeiro. E a construção desse ajustamento não foi tranquilo, com focos de radicalidade pró-Lisboa bem nítidos, sobretudo na Bahia. Em Pernambuco, Ceará e Piauí, forma-se um quadro mais complexo que levou às vias de fato da confrontação armada, pró e contra a aclamação imperial de Pedro I. 

No Piauí são vários os episódios nesse contexto em que uma facção mais radical da política de Portugal projeta conservar seu naco territorial na América do Sul, as referidas “províncias do norte”. Mas na média do querer em nível provincial, a inclinação é aclamar Pedro I e seu governo. 

Com dinâmicas diferentes, a aclamação imperial no Piauí se impõe, seja no ato do governo municipal de Parnaíba, na derrubada da legalidade lusitana, em Oeiras, e sobretudo no enfrentamento sangrento que encharcou a planície do Jenipapo no município de Campo Maior. 

O combate no Jenipapo, que opôs em campo aberto contingentes “civis” em armas e uma colunata do Exército lusitano, a este impôs um revés que o forçou mudar de estratégia, retirar-se para o Maranhão e deixar o Piauí cumprir um destino de aderente ao Império de P. 1º e Leopoldina. 

Independência? Ainda uma aspiração de não poucos.         

    

Fonseca Neto, historiador, Cadeira 1 da APL. 

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Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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