Um dos fundadores das academias de letras do Maranhão, e do Piauí, o piauiense Clodoaldo Freitas escreveu páginas e páginas e assim constituiu um relevante contributo literário para as letras pátrias –tal se costumava dizer.
Ele viveu no tempo-calendário da passagem do século XIX para o XX, literalmente marcado, neste trópico, pela “secularização” mais acelerada da cultura, do jeito de elaborar a vida social.
Sobre o Freitas escritor, o Brasil culto ganhou, há pouco, a partir de Teresina, um livro que traz para atualidade mais estudos tarimbados sobre a sua relativamente diversa lavra.
Trata-se da obra O Folhetim de Clodoaldo Freitas: ensaios de crítica literária, de Maria do Socorro Rios Magalhães, da Ufpi e da Uespi, na qual inscreve uma viagem no texto folhetinesco do festejado autor, examinando as linhas constitutivas do ato narrativo.
Entram no radar-especular de Socorro, os livros clodoanos Os Bandoleiros, O Palácio das Lágrimas, Memórias de Um Velho, O Bequimão, Por Um Sorriso, Coisas da Vida, Um Segredo de Família, e os Burgos.
De cada um desses títulos-textos, e como se disse, neles examinados e identificados respectivos elementos escriturais-dinâmicos de sua forja, aponta ela a essência da mensagem que cada um contém e exprime. Desencrava deles – parafraseio - o clodo/homem e sua circunstância.
Socorro o faz com o cuidado da cirurgiã, que abre o corpo vivo, sonda o ritmo das pulsações, capta os recônditos das causas manifestas e seus nexos com o mundo de vida e relações com a externalidade. No caso, o que pulsa da vida atribulada, de muitos atravessamentos, isto é, o mundo de diversos enredos de Freitas.
De Os Bandoleiros, Socorro notará, e anotará criticamente, a “representação da vida política e social no norte do Brasil”, tendo presente que seu autor imergiu com bastante profundidade no corpo social dessa região, dado que serviu, na esfera jurídica, aos estados do Piauí, Maranhão e Pará, em todos enchendo as folhas-jornais de sua prosa inquieta, leituras da realidade a contrapelo de certa expectativa dos conformados.
Em O Palácio das Lágrimas e O Bequimão, é-nos ofertado pela autora um instigante exame da elaboração literária nas dobras que distinguem-assemelham a criação ficcional e o discurso historiográfico stricto sensu. Freitas, um estudioso da história, dela entendendo-se um sujeito, mas contornando, pelo jorro escrevente, os modos de manifestar suas apreensões, às vezes convicções.
Socorro faz um balizamento bem fundado sobre a memória se inventando ficção, a partir de sua leitura de Memórias de Um Velho. Quem é o narrador, na vida real e na ficção? Ela clareia para nós – nessa e na obra toda de Freitas, que estudou – as fontes referenciais dele, lampejos de intertextualidade com a literatura do tempo em que viveu, seus enredos e também desenredos.
Literatura é divertimento. É criação das linguagens que há de expressar a beleza da arte de escrever. Literatura é instrução. A recepção do texto literário traduz um consumir que se faça paixão e algum tipo de arrebatamento. Ela percebe mais que apenas matéria indiciária, disso, no conjunto que estuda. E pelos mecanismos de intelecção e referenciamento próprios do que vem a ser a crítica literária, Socorro elabora sua própria “biografia” do fundador da Academia Piauiense de Letras.
A autora extrai do autor-objeto de pesquisa – das linhas e entrelinhas dos folhetins e aparentados gêneros –, um perfil com mais nuances, além de traços avivados do que já se evidenciou e disse a propósito do conjunto da vida real de Freitas, já muito estudada. E da prosa que lavrou, idem, agora enriquecida com mais uma e mais que mais só uma obra.
O Folhetim... – livro com agradável feição – é da Cancioneiro Editora, que comparece ao cenário das letras com boas escolhas e refinamento.
Socorro Magalhães é a titular atual da Cadeira 6 da APL.