
“A filosofia pode ajudar a sociedade a não ‘baixar a guarda’ diante da desinstitucionalização e da manipulação cultural.” O alerta é do professor Noeli Rossato, da Universidade Federal de Santa Maria (RS), que participou do 2º Congresso Internacional Rede Brasil Ricouer, evento que se encerra nesta quinta-feira (14), reunindo pesquisadores de diversas áreas para debater filosofia, identidade e justiça social.
A declaração foi feita durante entrevista ao Podcast Piauí Hoje, com a jornalista Malu Barreto. Em Teresina, Rossato apresentou a palestra Ética e Libertação: entre Paul Ricoeur e Enrique Dussel, um diálogo entre dois pensadores que, de formas diferentes, ajudam a compreender os desafios éticos e políticos atuais.
Paul Ricoeur, filósofo francês, é referência no pensamento contemporâneo. Enrique Dussel, argentino e criador da filosofia da libertação, foi seu aluno e incorporou parte de sua simbologia para entender o núcleo ético das culturas latino-americanas, sempre com forte crítica à dependência cultural e econômica da região em relação à Europa.
Segundo Rossato, esse diálogo é fundamental para pensar a relação entre lutas por identidade, como as de povos indígenas, comunidades afro-brasileiras e regiões do país, e lutas por distribuição de riqueza, num Brasil diverso e desigual. Ele defende que a ética deve equilibrar princípios universais e contextos culturais, conciliando regras morais com a sensibilidade para cada situação.
O professor também destacou que a responsabilidade ética hoje não pode se limitar a julgamentos sobre o passado, mas precisa considerar os impactos futuros, especialmente diante da crise climática. “Devemos pensar na responsabilidade pelas próximas gerações, mesmo por atos que ainda não cometemos”, afirmou.
A visita ao Piauí incluiu uma passagem pela Serra da Capivara, experiência que Rossato relacionou à reflexão filosófica sobre identidade e memória. Ele avalia que as pinturas rupestres são narrativas simbólicas de grupos humanos que viveram há milhares de anos e revelam uma antiguidade cultural ainda pouco conhecida no Brasil. “É um patrimônio que nos interpela e nos conecta a dimensões fundamentais da vida”, destacou.
Também presente na entrevista, a professora Ada Silveira, da mesma universidade, explicou que veio ao Piauí motivada pelo interesse em conhecer como a sociedade local se relaciona com esse patrimônio e quais protocolos de comunicação podem ser criados para melhorar a governança ambiental. Envolvida em um grande projeto sobre riscos climáticos no Rio Grande do Sul, ela afirmou que a observação de parques nacionais como a Serra da Capivara ajuda a pensar estratégias para enfrentar desafios que unem preservação, clima e participação social.
Para Rossato, reflexões filosóficas como essas são essenciais para fortalecer a democracia e resistir a retrocessos. Sua palestra, que encerra o congresso amanhã, busca mostrar que ética e libertação são ferramentas para compreender e transformar a realidade.