![Torcedores levam fanatismo e paixão aos estádios](https://piauihoje.com/uploads/imagens/whatsapp-image-2025-02-06-at-08-25-10-1738841230.jpeg)
Torcidas organizadas têm se tornado ambientes que intensificam as emoções, do amor incondicional à violência extrema, como foi o caso das cenas de horror entre as torcidas do Sport e do Santa Cruz em Recife. Para sociólogos e psicólogos, esse comportamento é apenas a ponta do iceberg, refletindo uma sociedade onde a violência se manifesta de maneira quase constante. Muitos exageram ao levar o futebol tão a sério, um esporte que, como diz o ditado popular, “é a coisa mais importante entre as menos importantes”.
O sociólogo Edergênio Vieira, do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (NEVIS/UnB), afirma que os torcedores precisam aprender a lidar com as vitórias e derrotas de forma mais leve, sem recorrer à violência. Ele cita o exemplo dos torcedores do Ibis, time pernambucano famoso por sua fama de pior time do mundo, como um modelo de torcer com humor e respeito. Vieira defende que o futebol deve ser visto como lazer e diversão, e não como uma desculpa para extremos de violência.
Futebol como parte da identidade brasileira
O futebol no Brasil vai além do aspecto esportivo e está profundamente ligado à identidade nacional, sendo visto como um reflexo das paixões, impulsos e motivações cotidianas. Vieira observa que o futebol carrega a violência presente no dia a dia dos brasileiros, potencializada pela natureza de catarse coletiva do esporte.
A origem das torcidas organizadas
No início, o futebol era um esporte elitizado, com público das classes altas, mas, à medida que o acesso se tornou mais barato, passou a ser popularizado, especialmente entre os jovens de bairros com alta vulnerabilidade social. Essas torcidas organizadas passaram a ser locais de pertencimento para muitos, funcionando como uma comunidade com seus próprios rituais e símbolos, comparáveis aos de algumas igrejas.Torcedores levam fanatismo e paixão aos estádios - Alessandra Torres/Cruzeiro Esporte Clube/Direitos Reservados
Psicologia e comportamento de massa
Pedro Henrique Borges, psicólogo e ex-diretor da torcida organizada Rubra, do time Anapolina, explica que as torcidas organizadas são movimentos de massa, onde o sentimento de pertencimento é central. Ele cita o trabalho de Sigmund Freud sobre psicologia das massas, que aponta que a violência e outras ações podem ser impulsionadas pelo desejo de aprovação do grupo, sem que o indivíduo concorde realmente com as ações realizadas.
Especialista em psicologia clínica e ex-diretor de torcida organizada Rubra Pedro Henrique, do time goiano Anapolina. Foto: Pedro Henrique Borges/Arquivo pessoal
Violência, machismo e afeto
Borges também relaciona o machismo da sociedade com a violência nas torcidas organizadas, que, para muitos, é o único espaço onde podem expressar afeto sem serem julgados. Em um ambiente tradicionalmente visto como masculino, torcedores podem mostrar emoções como amor e afeto sem serem considerados fracos.
Psicopatia e violência no futebol
Borges observa que muitos indivíduos com perfil psicopático se aproveitam do ambiente das torcidas organizadas para exercer violência e perversidade, sendo uma das razões pela qual a violência no futebol pode se agravar. A relação entre violência e pertencimento também é notável, já que muitos torcedores, ao se sentirem rejeitados pela sociedade, encontram nas torcidas um refúgio para a expressão de suas frustrações e agressões.
Comportamento fascista e ideologias
O sociólogo Vieira alerta que algumas torcidas progressistas acabam praticando atitudes preconceituosas e agressivas, como o que aconteceu entre as torcidas de Sport e Santa Cruz, um episódio de violência que lembra os movimentos fascistas, para “animalizar” o outro. Para ele, a violência nas torcidas não tem uma ideologia política clara, mas é mais sobre o sentimento de pertencimento e a defesa de um grupo contra o outro.
Protegido pela massa e a impunidade
Vieira explica que o indivíduo em uma multidão sente-se protegido e, muitas vezes, perde sua identidade individual, permitindo-se agir de forma violenta sem medo de consequências. Isso é alimentado pela impunidade que, segundo ele, permite que esses comportamentos sejam repetidos sem punição, o que estimula novos episódios de violência.
Edergênio Vieira, pesquisador do Núcleo de Estudos Sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (NEVIS/UnB). Foto: Carlos Costa/Divulgação
Soluções para a violência nas torcidas
Os especialistas sugerem que, para diminuir a violência, é preciso ir além de medidas punitivas, como a exclusão de torcidas. Vieira defende um cadastro nacional de torcedores com reconhecimento facial para dificultar a participação de torcedores violentos. Borges acredita que o foco deve ser em políticas educativas que incentivem o senso crítico nos torcedores problemáticos.
Ação das polícias
A atuação das polícias é vista como essencial para evitar que as brigas se propaguem. Vieira sugere que batalhões especiais de policiais se comuniquem diretamente com as torcidas organizadas, o que poderia ajudar a prevenir conflitos. A atuação mais estratégica e a utilização de inteligência policial seriam eficazes, principalmente em grandes eventos esportivos, onde brigas muitas vezes são marcadas nas redes sociais.
Por fim, Vieira alerta para a dissociação entre clubes e torcidas organizadas, já que muitas vezes há relações nebulosas entre eles. Ele defende que a falta de punição fortalece a sensação de impunidade e leva à repetição da violência.
Polícia intervém para evitar conflitos e prisões em estádios - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Fonte: Agência Brasil