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PESQUISA ACADÊMICA

Comunidade do Piauí que criou sua própria língua de sinais ganha dicionário

A localidade se destaca pela grande quantidade de pessoas surdas, nascidas de relações entre pessoas da mesma família

Cintia Lucas

Quinta - 23/11/2023 às 15:56



Foto: Aparecida Mota Várzea Queimada
Várzea Queimada

Teresina (PI) - A Comunidade Surda de Várzea Queimada, localizada no município de Jaicós, distante 400 Km de Teresina, vai ganhar o Dicionário Visual da Língua de Sinais da Várzea Queimada. A solenidade acontece dia 5 de dezembro, de 18h às 21h, na praça da igreja da localidade. O dicionário vai registrar a “Cena”, uma língua de sinais própria criada pelos moradores para facilitar a comunicação em uma localidade onde a cada 25 crianças nascidas, uma é surda.

Segundo a professora-doutora e uma das organizadoras do livro, Telma Franco, o dicionário é resultado do trabalho de pesquisa de vários pesquisadores de Instituições Superiores de Ensino do Brasil, como um presente da ciência, da linguística brasileira, da pesquisa séria e comprometida com o ser humano, para o povo da Várzea Queimada.

“No intuito de que, mesmo que não haja mais surdos na comunidade, daqui a alguns anos, resista a memória e a imagem do povo que criou a sua própria história, com a sua própria língua”, disse a professora-doutora.

Para a pesquisadora, o dicionário representa muito mais que o registro de uma língua.

“Mas uma língua que foi tecida, tramada, trançada literalmente no corpo de um povo que não teve acesso a um processo digno de escolarização. Graças à sua biologia e à sua cultura, os Surdos de Várzea Queimada superaram a negligência linguística, fazendo nascer esta bela língua ‘cozida’ ao longo de sete décadas no sertão piauiense”.

Há várias outras localidades no Brasil em que se constatam histórias semelhantes, mas que, talvez, não chegaram ao nível em que a Cena se encontra na atualidade. Muitas se perderam pelo caminho, foram substituídas, ou sequer desabrocharam.

“Esperamos que os consulentes, leitores, pesquisadores, possam sentir o afeto que nós sentimos por sermos amigos dos surdos da Várzea Queimada. Este afeto que deve brotar por trás de cada olhar presente nas entradas e que está sutilmente cravado nos paradigmas, muitas vezes, tão técnicos”, disse Telma Franco.

Língua de Cena

O livro catalogou 300 expressões na língua de Cena registrada em fotografias.  

Segundo o último censo do IBGE, Várzea Queimada tem uma população de, aproximadamente, mil habitantes que sobrevivem do artesanato e da agricultura.

O mesmo sobrenome

Todos os moradores têm sobrenome: Carvalho, Barbosa ou Carvalho Barbosa devido aos casamentos entre pessoas da mesma família. Aliás, são esses mesmos casamentos que aumentam as possibilidades de filhos com problemas genéticos.

Segundo pesquisadores, todo casal, mesmo que não seja da mesma família, tem 3% de chances de ter filhos com problemas genéticos. Os riscos se elevam para 6% nos casais com consanguinidade e para 7% a 8% para os casais que tiverem os mesmos códigos genéticos defeituosos, comuns em primos de primeiro grau.

Casamentos entre primos que já possuem histórico familiar de doenças recessivas ou para aqueles que já possuem um filho com alguma doença genética, o risco é de 25%.

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Cintia Lucas

Cintia Lucas

Cintia Lucas é jornalista formada pela Universidade Federal do Piauí e mestra em Comunicação pela mesma instituição. A coluna vai abordar os bastidores da notícia, com foco em temas de interesse público. Contato: cintialuc1@hotmail.com

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