Proa & Prosa

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Parnaíba, outubro de 1822

No núcleo duro dos donos do poder não se cogitou praticamente nada além da forma Reino de organização da América portuguesa, que se conservou

Fonseca Neto

Quarta - 19/10/2022 às 07:50



Foto: Arquivo do Piauí Hoje A cidade de Parnaíba vai receber mais investimentos em segurança, saúde e turismo
A cidade de Parnaíba vai receber mais investimentos em segurança, saúde e turismo

No ano de 1822, dia 23 de outubro, numa vereação, a Câmara Municipal de Parnaíba,  ou Senado da Câmara, lança uma concitação impactante sobre o contexto brasileiro daqueles dias e anos.

  • Que resolveram dizer então os camarários do norte piauiense? Com eles a palavra: “Participamos a V. Mercês que no dia 19 de outubro do corrente foram proclamadas nesta Vila a Regência de S. Alteza Real, a Independência do Brasil e sua União com Portugal e as futuras Cortes Constituintes do Brasil, tudo a requerimento dos povos, como V. Mercês verão dos documentos que por certidão acompanham esta nossa participação: foi inexplicável o fervor e o entusiasmo que desenvolveram os povos nesta ocasião. Rogamos fervorosamente a V. Mercês queiram unir-se conosco e com todo o nosso Continente, a bem de tão justa causa. Deus Guarde a V. Mercês muitos anos. Parnaíba em sessão de 23 de outubro de 1822. Aos Srs. Presidente, Vereadores e mais oficiais do Senado da Câmara da Vila de Campo Maior.
  • [as.] João Cândido de Deus e Silva
  • Manoel Antonio da Silva Henriques
  • José Gomes de Araújo
  • João José de Sales
  • João Inácio Nunes da Silva”

Da leitura desse documento oficial, fácil notar que são os vereadores parnaibanos rogando “fervorosamente” aos de Campo Maior que os sigam nos termos proclamados a 19 de outubro no município litorâneo. A rogativa é direta, mas não é nada clara a intencionalidade manifestada. Afinal, proclama-se a Independência do Brasil em relação a Portugal, e a União do Brasil com Portugal. Pode?

Sim. Examinando e tentando reler o contexto, as ideias e projetos sussurrados nesses encaminhamentos, percebe-se que o peso do vocábulo “independência” não indica secessão do Reino do Brasil em face do Reino de Portugal, mas apenas a conservação de ambos, na forma Reino, separados, mas unidos sob uma só dinastia, formato vigente desde 1815, quando o Brasil perde juridicamente a condição de “colônia”.  

Nesse caso, em concreto, os parnaibanos, na expressão documental referida, não estão “proclamando” a Independência do Brasil, mas sim, repita-se, a restauração do Reino do Brasil, extinto por decisão de uma Assembleia Constituinte na distante Lisboa. Toda a ação política daqueles dias e meses vem condicionada por uma luta contra essa extinção. E a conservação no Brasil do príncipe regente Pedro. E só. Quem aspirava algo diferente – separação tipo USA, Colômbia etc. – estava com a cabeça a prêmio.

No núcleo duro dos donos do poder não se cogitou praticamente nada além da forma Reino de organização da América portuguesa, que se conservou. Quanto ao conteúdo ou corpo social real brasileiro, absolutamente nada deveria mudar. Como de fato não mudou.   

Afora isso, o que há, de mais, é a construção interpretativa, historiográfica, mitificante, do acontecimento do dia 19, do fato em si e de alguns agentes de proa, além da carga simbólica que o emoldura, em dois séculos. Não é uma verdade no pleno sentido. É a expansão de uma verdade – oficializada – para laurear uns poucos.   

Além desses agentes, exaustivamente mencionados nas páginas glorificadoras e parcela numericamente insignificante da população, que outro sujeito há no cenário, com imenso significado histórico? Os 95 pct, ou mais, da dita população – sujeito histórico coletivo maior –, sobre quem quase nada se fala, o que não lhe retira o papel de maioria e titular da força modeladora e movente do processo histórico: quando ela se manifesta e quando contra ela se voltam espadas e canhões dos “podres poderes”.

Que a caminho do tricentenário, nossos estudos passem a se orientar pela busca do conhecimento do que “os povos” queriam – ou querem – na construção de seu destino-história.

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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