Nome de batismo, Diego Armando. O herói do povo: Maradona. A Argentina, catártica, entrega, para as vizinhanças de Perón e Evita, o corpo dele, idolatrado. Os amantes da arte de jogar bola, choram, reverentes. A voz relevante a favor dos oprimidos seja ampliada às latitudes tamanhas, para significar que a luta não para.
O anúncio do silêncio-corpo de Maradona mexeu e agitou muitas emoções em várias partes do mundo, sendo ainda mais notável, no continente em que nasceu, a América, e também na Europa, pela filiação dele à latinidade italizada. Algo que a Argentina tem como um caudal de nacionalidade.
Um jogador de futebol brilhante pelo manejo da bola, esporte de multidões nas últimas doze décadas.
Maradona: espécie de rei, estrela pintada na cor do povo, ungido no suor das torcidas. Nele, e nos enleios de seu enredo, atravessam as mais diferentes sensações, do sucesso extremado ao incontido desassossego. Uma vida inscrevendo-se sobre as lâminas afiadas da emoção de milhões de admiradores. E sobretudo de fãs. Fãs que forjaram e forjam a sua idolatração.
Os esportes em geral, as artes olímpicas nas arenas, disputando o pulsar do coração das torcidas, levantam e derrubam mitos com muita rapidez. Hoje, a amplificação midiática muito influi esse levantar e derrubar mitos, numa lendária marcada pela fluidez do corpo social urbano. Sua mítica de deus olímpico deriva desse enredo.
O grande atleta é filho de uma nação que parece moldada em certa estética romântica e que se apaixona fácil. O futebol é uma dessas paixões. Outra é a paixão manifestada em torno da construção do destino político nacional. Se, como dizem, latino é romântico essencialmente, a Argentina, a latinidade reflexa e mais eloquente nesta margem do Atlântico. Sim, Argentino é mesmo o nome “do deus que a Gentilidade Romana elaborou para presidir a moeda de prata”, que anotou dom Raphael.
Pois Diego Maradona é um deus, filho da deusa Argentina, banhada esta pelos bons ares e coroada pelo Plata. História e símbolo.
Essa espécie de deus platino real, revelado jogando bola nos gramados de sua terra e após incensado do Antártico ao Ártico, e além, fez-se também amado e credor do coração de milhões do povo, por colocar o sinal luminar de seu estrelato a serviço da causa dos empobrecidos pela avidez depredadora e mortífera do sistema do capital.
Essa opção do ídolo vivo trouxe-lhe muitos dissabores emanados do conservadorismo reacionário, mas concedeu a ele ser essa luz de encorajamento a sinalizar a caminhada com os sofredores sociais. Algo, diga-se, que falta a muitos ícones que pulsam no coração popular, mas que o próprio coração bate e dissipa-se acolitando podres poderes e elites inimigas do povo-chão.
Maradona compreendia ter que rechaçar as tiranias que excluem milhões de pessoas do butim esperançoso da vida em igualdade e justiça. Querido pelo povo denso, amplo, fez-se querido de lideranças mundiais de seu tempo, aquelas caminheiras pelas vias intensas da margem esquerda. Na Argentina, e em lugar nenhum, deu chances a que tiranos tomassem em suas mãos sombrias a sua aura luminar. Por isso amou e associou-se ao peronismo obrero; venerou Ernesto. Amou Fidel, Hugo, Lula, Evo. Diós napolitano e o pontífice, face a face, beijou Francisco, ardente.
Por fim, não se deixe de aludir ao cacoete que marca a recepção invejosa do ídolo aqui no Brasil, o tempo todo intencionada em comparar Diego e Edson. Dois astros do futebol, bastante populares, sim, com seus singulares reinados. Mas repontar o Spartacus na causa dos excluídos, é instalar-se Diego no coração rubro de vida e pulsante da História.