Blog do Brandão

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HIPOCRISIA

A gratidão interesseira de bolsonaristas e o culto ao mito na política brasileira

Senadores como Damares Alves defendem prisão domiciliar para Bolsonaro com argumentos que contradizem o passado "atlético" do "mito"

Por Luiz Brandão

Quarta - 19/11/2025 às 08:40



Foto: © Valter Campanato/Agência Brasil Damares Alves
Damares Alves

A cena da senadora Damares Alves (Republicanos) saindo do Presídio da Papuda, após uma suposta "inspeção técnica", é a representação perfeita de uma relação política baseada não em ideais, mas em pura e simples gratidão interesseira. Ela e alguns colegas, como os senadores Izalci Lucas (PL-MG), Eduardo Girão (Novo-CE), Marcio Bittar (PL-AC) e Sérgio Moro (União Brasil), têm, de fato, toda a razão e motivos do mundo para ser fiéis escudeiros do ex-presidente Jair Bolsonaro. A razão, porém, não é ideológica; é existencial. Se não fosse por Bolsonaro, dificilmente teriam alcançado o protagonismo que tem hoje.

Damares por exemplo, uma ex-pastora conhecida por relatos inusitados, como ter visto "Jesus Cristo em um pé de goiabeira", foi alçada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Moro, alçado a cargo de ministro e após sua saída espetacular do Ministério da Justiça, viu em Bolsonaro, como os demais, a escada para se eleger senador. Eles são, em grande medida, criações do bolsonarismo. Portanto, a "fidelidade canina" não é surpreendente: é a moeda de troca de quem deve sua posição atual ao mito que ajudaram a criar.

A missão de Damares à Papuda, acompanhada pelos senadores Izalci Lucas (PL-MG), Eduardo Girão (Novo-CE) e Marcio Bittar (PL-AC), teve um objetivo claro: pavimentar o caminho para a prisão domiciliar de Bolsonaro. O argumento é o de que o ex-presidente, condenado pelo STF a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de estado, não teria condições de ficar no local devido a "problemas gravíssimos de saúde". A narrativa, no entanto, esbarra em uma montanha de contradições.

O mesmo Bolsonaro que hoje é pintado como um homem frágil e debilitado, pouco tempo atrás aparecia na televisão afirmando ser um "atleta" e que, por isso, não pegaria COVID-19, ou no máximo sentiria uma "gripezinha". A transformação de um suposto super-herói, "imbroxável", imune a um doente terminal, conforme a conveniência, é uma peça de ficção que seus aliados esperam que o público engula sem questionar.

A estratégia é clara e tem um precedente recente e bem-sucedido: a do ex-presidente Fernando Collor, que conseguiu do STF o direito à prisão domiciliar alegando problemas de saúde. Os bolsonaristas querem o mesmo tratamento especial, o mesmo foro privilegiado na execução da pena. No entanto, especialistas em Direito Penal, como o renomado advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, são contra a concessão pura e simples desse benefício.

Kakay defende, com razão, que se haja uma ampla inspeção em todo o sistema prisional brasileiro. A pergunta que os senadores Damares e Girão não fizeram em sua visita é: quantos outros presos, muito mais idosos e doentes que Bolsonaro, apodrecem em celas superlotadas, sem qualquer chance de um atendimento médico em 20 minutos, muito menos de uma comitiva de senadores para lutar por seus direitos?

A hipocrisia atinge seu ápice aqui. Os mesmos políticos que sempre criticaram os "direitos humanos para bandidos" agora os invocam seletivamente para seu líder máximo. A realidade nua e crua é que o sistema prisional brasileiro é um inferno para milhares de pessoas anônimas, mas a comoção seletiva de Damares e Girão só se acende quando o réu é gente como Jair Bolsonaro.

A queixa do senador Girão sobre a "má vontade" e a "perseguição política" do ministro Alexandre de Moraes, que não autorizou a visita aos presos do 8 de Janeiro, serve apenas para alimentar o discurso de vitimização que sustenta o bolsonarismo. É uma cortina de fumaça para desviar o foco do cerne da questão: um ex-presidente foi legalmente condenado por tentar subverter a democracia.

A defesa ferrenha de Damares Alves, Girão e Sérgio Moro a Jair Bolsonaro vai além da lealdade política. É uma questão de sobrevivência. Sem o mito, seu capital político definha. Suas trajetórias são marcadas por essa simbiose: ascenderam com um governo marcado pela incapacidade administrativa e pelo negacionismo, e agora dependem da imagem do líder para manter sua relevância. A defesa da prisão domiciliar, com argumentos tão frágeis e contraditórios, é apenas o capítulo mais recente dessa novela de interesses, onde o princípio da igualdade perante a lei é a primeira vítima.

Luiz Brandão

Luiz Brandão

Luiz Brandão é jornalista formado pela Universidade Federal do Piauí. Está na profissão há 40 anos. Já trabalhou em rádios, TVs e jornais. Foi repórter das rádios Difusora, Poty e das TVs Timon, Antares e Meio Norte. Também foi repórter dos jornais O Dia, Jornal da Manhã, O Estado, Diário do Povo e Correio do Piauí. Foi editor chefe dos jornais Correio do Piauí, O Estado e Diário do Povo. Também foi colunista do Jornal Meio Norte. Atualmente é diretor de jornalismo e colunista do portal www.piauihoje.com.
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