Proa & Prosa

De biografia, de autobiografia


Tony Batista

Tony Batista Foto: Divulgação

Escrever sobre a vida de alguém é tarefa difícil, quando se tem em conta – e deve-se ter em regra – que o que há de narrável na existência de uma pessoa é o resplandecer de um corpo significado na concreção física e nas manifestações do espírito dele emanadas.

É um desafio no campo historiográfico a elaboração de biografia, desde que a intenção em fazê-lo seja evidenciar as dimensões plúrimas de uma dada pessoa, do nascimento ao silêncio de certo fim. Como texto historiográfico, ainda mais desafiante a elaboração tendo o biografado por perto.

Essas observações vêm a propósito de livro que lançamos no último dia 5, escrito e organizado a várias mãos, obra dedicada à vida daquela que é, com certeza, uma das pessoas mais conhecidas na cidade de Teresina, Antonio Soares Batista, o padre Tony Batista, pároco de Fátima, aqui na capital, até meses atrás.

Padre Tony Batista, Irmão Mais Velho: editado pela Nova Aliança, com esse título, o livro tem um caráter singular, em se tratando de elaboração historiográfica, com costura pontuada na objetividade do trato oficineiro do historiador, agregando ao núcleo narrativo a fala autobiográfica do homem-personagem-de-si, o depoimento pessoal-testemunhal, o registro do olhar diverso que se revela da fotografia, a expressão doutrinal-especular observada na dicção de artigos de opinião.

Recorde-se que é complexa a tarefa de laborar a matéria da memória, porque a história se realiza em plano distinto daquela, no sentido que assevera P. Nora: – “Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência de que tudo opõe uma à outra. A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é efetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes [...]; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque experiência intelectual e laicizante, demanda análise, discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwarchs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem, que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe confere uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo”.

Na elaboração desse livro, na tensão fecundadora do entrechocar dessas dualidades inclementes, nossa tarefa foi capturar do irmão mais vivido o núcleo movente de sua experiência existencial: 1. os fluxos familiares que lhe atravessam de heranças puxando em linhas profundas, num lugar de nascença pleno de aprendizado radical, entre as durezas da vida no campo e as belezas da ambiência explodindo em natureza – a madrugada que avermelha, logo “explodirá em pássaros”, poeta W. Soares; 2. de como o barro das terras firmes que o constitui, vai fazendo dele uma coluna de pedra das pontes da eclesialidade; 3. a Igreja de fluxos intermitentes, no solado de seus pés abrindo caminhos, nas cordas vibrantes do coração, na razão que anima a Fé.   

Eulália Teixeira extraiu do silêncio da máquina a matéria falada do auto biografado; detectou a eloquência das imagens, ajustando-as ao repertório. Amigos trouxeram ao feito pérolas testemunhais que sugerem ser a coluna uma colunata. O editor Leonardo Dias sonha e os livros nascem.

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
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