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Birino


Bandeira do Rio Grande do Norte

Bandeira do Rio Grande do Norte Foto:

O nome Severino é muito comum em Pernambuco, na Paraíba e arredores do Rio Grande do Norte e Ceará. Muito mais que noutros lugares que conhecemos. Numa mitigação de linguagem que é muito mais complexa do que se pensa, há o costume de se chamar Severino de Birino.

Birino? Sim. Não há quem chame vassoura de bassora, covarde de cobarde, vaca de baca? Labor de lavor? Bandeira de vandeira? Pois Birino é o diminutivo encurtado de Seberino. Claro, tem as Birinas. Já conheci umas duas; uma delas paraibana.

Mas foi na minha terra de nascença, no sertão dos cocais, no Maranhão, que, em criança, conheci um Severino, isto é, o Birino mais famoso da minha vida. Nome civil dele: Severino Martins, nascido no Rio Grande do Norte e migrado para Passagem Franca, no começo da década de 1950.

O Birino da minha infância se destacava no meio maranhense, em primeiro lugar, pela marcada diferença de não ser de lá, ter vindo de longe; “um nordestino” como era comum se dizer. Outros chamavam mesmo, ele e sua família, de riograndenses.

A exemplo de várias outras famílias “nordestinas” ali chegadas, saíram do seu Rio Grande natal na última seca que fez diáspora de “nordestinos”, por volta de 1953, em busca de melhor lugar com água e terra boa para lavrar. Passagem Franca foi, desde pelo menos 1777, um destino maranhense de tantas dessas famílias.

Birino chegou na Passagem ainda muito jovem, com seus pais, Maria e João Martins, e sete irmãos, todos solteiros. Ele o caçula. Essa família chegou, deu um jeito de se arranchar, dizem até que teriam se abrigado sob um secular tamarineiro que existiu no centro de um Largo de nossa pequena urbanidade e que teria sido morto até por obra de uma rancharia de ciganos. Outros dizem que se arrancharam à pracinha da Maria Paé.

É fato que não demorou muito e João e Maria foram deitando raízes na nova morada, tudo facilitado porque já existiam ali outras famílias dos sobreditos estados, chegadas antes, do Ceará ainda mais. Circunstância que facilitava as coisas.

Porém – do que muitos são testemunhas – o que deu a eles desde cedo uma condição de bem recebidos, foi a disposição de todos eles pelo trabalho, a manifesta propensão pelo labor intenso, criativo, simpatia no trato. Muita graça. Logo afamados porque engenhosos.

Maria e João trouxeram os filhos todos solteiros e foram se casando com gente da terra de destino. Isso faz aprofundar o raizame familiar. À exceção foi uma filha que veio trazendo junto o noivo riograndense, no caminhão “pau de arara” da viagem.

E o Birino? Chegou menino, quase não é riograndense. De sotaque acentuadamente nordestinado – o “de”... – acabou de crescer conosco na Passagem. Em pouco tempo a cidade toda o conhecia, por ser frenético, inteligentíssimo, topar qualquer fazer honesto para ganhar a vida; ajudante de pedreiro, cambiteiro, auxiliar em muitas artes.

Mas o que mais impressionava os meninos, sobretudo os da Rua do Grajaú – a Siqueira Campos de hoje – era seu jeito de contador da causos, piadas e outros xistes, tudo dizendo que era coisa “lá no Rio Grande...”. Sabedor que quase todo mundo tinha medo de alma, de mamandos a caducandos, ele carregava nos tons, de roda em roda nas calçadas e suas rodas de conversa.

Aliás, as rodas de conversa nas calçadas serviam para as famílias se reunirem, a interação de vizinhança, e confraternização diária com quem passava. O jantar era a partir das 5, e já, às seis da tarde, todos estavam sentados à calçada, principalmente mulheres e crianças. Isso menos no tempo de frio. Em pauta, as sociabilidades em fervura, a vida comum – inclusive a “alheia”. Essas rodas de conversa se desfaziam já a partir das 8 e meia da noite e findavam de vez, quando o “motorista” mandava o primeiro “sinal” da usina de luz que logo apagaria.

Em noite de luar, ainda mais nas calçadas do lado da sombra, Birino reinava. Agora reina numa lancheria. Continua vivo e querido de seu povo, em torno das oito décadas de vida. Repita-se: ele é figura humana extraordinária; um “nordestino” exemplar, como são todos os Martins do meu querido berço.        

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.
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