Marcante o dia 13 de março de 1823: mais de duzentas pessoas morreram em campo aberto em jornada de luta por Liberdade. Aquele era um contexto em que se discutia politicamente se o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves deveria se desfazer e o Brasil separar-se de Portugal.
Por que separar? Porque em Portugal, continente europeu, uma reviravolta impusera então que o Reino do Brasil fosse extinto e o rei comum dos dois hemisférios voltasse a residir e governar a partir de Lisboa. Encontrava-se na cidade do Rio de Janeiro.
Aqui no Piauí essa movimentação política repercutiu bastante, de modo que, em outubro de 1822, na proeminente vila de São João da Parnaíba, sob a liderança do juiz João Cândido de Deus e Silva, são proclamadas “a Regência de S. Alteza Real, a Independência do Brasil e sua União com Portugal e as futuras Cortes Constituintes do Brasil”. Proclamação que vai ao encontro de uma aspiração quase consensual da elite poderosa do tempo: manter o Reino do Brasil, mas ao mesmo tempo unido a Portugal, pela permanência da dinastia de Bragança à frente do Governo”, o que fato ocorreu. Mais relevante nesse pacto: o novo arranjo governativo manteria intactas as velhas estruturas sociais de base da Colônia. E nada de povo se metendo em política; nada de ajuntamentos revolucionantes. Morte a quem fale de república, democracia, enfim, de Liberdade.
No Jenipapo ensaiou-se justamente – com a radicalidade da morte – o que os agentes centrais da ordem em vigor rechaçavam: pessoas da camada popular mediana, movendo-se em favor da Liberdade, e enfrentando quase por conta própria o Exército poderoso da legalidade luso-brasileira. Ainda não se constituíra uma Ordem brasileira em todo território da colonização portuguesa.
Indício e até certo adensamento de populares no episódio, além se sua luta aberta e morte por uma causa: este o ponto que clama mais atenção sobre a batalha do Jenipapo e que a distingue de outros episódios decisivos no processo da emancipação política do Brasil.
Até 1823, em sua formação já então secular, o Piauí conhecera em sua história um estado de guerra insistente contra as forças poderosas que impuseram seu domínio enfrentando a população habitante da imensa ribeira do rio Parnaíba e de sua teia generosa de afluentes. A implantação colonizadora se deu – aqui – com forte resistência do habitante original. Tapuias intimoratos, resistentes às usurpações do agente colonizador; despossuídos da terra em geral; vaqueiros; muitos posseiros pelas beiradas das sesmarias; sujeitos rompidos com a escravidão de base afro – eis um cadinho de energia insurgente acumulada nas quinze décadas anteriores. Reitere-se, a explosão no Jenipapo emana de uma aspiração humana por liberdade contra uma ordem opressora.
Lutavam por liberdade? Sim. Por terra? Também: a liberdade de nela habitar e dela viver. Eram sem terra. Sem terra e ao mesmo tempo patriotas?
Essa uma questão que merece maior reflexão. Patriotismo emana da evocação memorial de pátria, a “terra de nossos pais”, isto é, a materialidade dos seus túmulos e imaterialidade de suas memórias pertencentes. Disto decorre que o sentido de pátria variava segundo os que eram donos de terra e os que não eram donos. Não há indícios de que os heróis do Jenipapo pertencessem à categoria de donos da terra. Sua luta continha outro signo histórico na construção milenar da experiência humana.
Semana passada, o Exército Brasileiro chamou a esse debate, promovendo o Seminário Nacional Comemorativo dos 200 Anos da Independência do Brasil na Província do Piauhy, em Teresina, Campo Maior e Caxias. Palestras, debates, visitas in loco a lugares físicos do acontecimento: o campo da batalha, o belo monumento aos heróis, o “morro” caxiense do Alecrim.
Tudo sob a coordenação do general de brigada Luciano Antonio Sibinel, diretor do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército.