Olhe Direito!

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OLHE DIREITO

Olhar dez anos adiante?

O imponderável não nos passa pela cabeça, mas a ele se deve prestar atenção, ainda que seja como um fantasma a rondar o futuro que ainda nem existe

Alvaro o Mota

Terça - 22/10/2024 às 09:23



Foto: Divulgação Tempo
Tempo

Sempre há quem proponha a nós uma pergunta cuja resposta é tanto imprecisa quanto incapaz de ser respondida com algum grau de acerto: como a gente se enxerga daqui a dez anos. O que mais certo se pode dizer é que estaremos mais velhos e se tivermos o mínimo de planejamento sobre nossas ações, arriscamos dizer que estaremos em melhores condições.

Só que uma década é uma soma grande demais de tempo. São dez anos, 120 meses, 3.652 dias. É tempo demais para caber acontecimentos sobre os quais não temos controle, imponderáveis o bastante para destruir essa construção etérea de futuro que propõe a pergunta sobre onde e o que estaremos fazendo decorridos tanto tempo cabível em uma década.

Ocorre, contudo, que não nos movemos pela estrada do tempo pensando em imponderabilidade – nós somos guiados por coisas como a proposta de se lidar com o tempo assim como está previsto no que propugna o livro do Eclesiastes, que nos ensina que “tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”. Assim, no presente, a gente prepara o futuro e espera que o porvir esteja adequado àquilo que pusemos em nossos planos.

O imponderável não nos passa pela cabeça, mas a ele se deve prestar atenção, ainda que seja como um fantasma a rondar o futuro que ainda nem existe. No que concerne às questões financeiras a maioria das pessoas faz – ou deveria fazer – projeção de riscos (o imponderável) a exigir que se tenha uma reserva de fundos para fazer frente ao que se chama comumente de “imprevistos”, ou seja, a gente nem prevê algo ruim e custoso, mas está ciente de que no curso de uma década – ou menos – isso pode ocorrer.

Ora, se a gente sabe que o imponderável e o não previsível nos espreita na longa e desconhecida estrada do tempo e nos obriga o tempo todo a ter meios de lidar com eles, por que só tempos em nossas perspectivas um olhar financeiro sobre isso? Muito em razão de nossa formação econômica firmemente alicerçada no liberalismo, acumular o dinheiro parece ser uma única solução pronta para lidar com imprevisibilidades e imponderabilidades.

Olhemos para um ponto que interessa a todo ser que respira no planeta, seres humanos, outros animais, plantas, fungos e até protozoários, vírus e bactérias: o aquecimento da Terra. A gente gastou como se não houvesse amanhã e não há dinheiro que baste para evitar que as mudanças climáticas causem perdas econômicas e financeiras, desastres naturais o tempo todo, eventos climáticos extremos, adoecimento e morte em todos os cantos.

Volta-se à pergunta inicial: como estará sua vida daqui a dez anos? Não se trata apenas de uma questão sobre sua vida pessoal, sobre se você terá menos ou mais dinheiro, se terá menos ou mais êxito profissional, se terá uma família abrigada em uma casa segura e confortável. Trata-se de responder se, sob um ponto de vista mais amplo, você viverá melhor porque melhores serão os indicadores sociais, econômicos e ambientais.

É realmente muito fácil para qualquer projetar para daqui a uma década um futuro pessoal melhor, com uma base financeira de ter disponibilidade material lidar com acontecimentos imprevistos e imponderáveis. No entanto, com mudanças climáticas sobre as quais nenhum de nós tem poder, toda e qualquer reserva material e financeira tem a negativa chance de ser de menor, pouca ou nenhuma utilidade em um futuro em que gastos podem ser maiores porque maiores serão nossos problemas ambientais e de saúde e maiores serão os custos econômicos para se produzir o que quer que seja.

Creio que ainda podemos nos guiar pelo olhar otimista de tempo no Eclesiastes, mas o livro também ensina que “sucede aos filhos dos homens, isso mesmo também sucede aos animais, e lhes sucede a mesma coisa; como morre um, assim morre o outro; e todos têm o mesmo fôlego, e a vantagem dos homens sobre os animais não é nenhuma, porque todos são vaidade.”

Álvaro Mota

Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.
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