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HISTÓRIA

100 anos de Petrônio Portella

Por Álvaro Mota

Segunda - 25/08/2025 às 10:18



Foto: Galeria do Senado Federal Petrônio Portella
Petrônio Portella

Na semana passada, em texto sobre o aniversário de Teresina, lembrei que na segunda metade do século XX, Teresina foi governada por três advogados, Petrônio Portella Nunes, José Raimundo Bona Medeiros e Raimundo Wall Ferraz – todos contemporâneos entre si e, cada um à sua medida, responsáveis pelo desenho do que a cidade é nos tempos atuais. Mas é sobre Petrônio que me cabe olhar por agora, já que em dentro de 10 dias, em 15 de setembro deste ano, completam-se 100 anos de seu nascimento.

Petrônio Portella é certamente o mais importante ator político nascido no Piauí em todo o século XX – e olhe que não faltaram atores políticos de nosso Estado naquele século, mas indubitavelmente nenhum chegará perto desse cidadão nascido em Valença, em 1925, em capacidade de articulação, visão pragmática de política real e percepção de como agir quando o momento exigia e a história estava se fazendo, o estadista, enfim.

Desde cedo, já quando estudante de Direito na atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, Petrônio veio a se destacar enquanto membro ativo do grupo que disputava o comando do Centro Acadêmico Cândido Oliveira, honrando um nome forte, ligado à literatura romana mais antiga, de autor conhecido por sagacidade e ironia na crítica aos poderosos de uma civilização em declínio. Inteligência e argúcia fizeram dele um homem com uma capacidade de montar alianças improváveis e sobreviver em meio a gente aparentemente muito mais poderosa que ele.

Não pode ser sem razão, pois, que suas habilidades para parlamentar e negociar são até hoje reconhecidas até pelos que cultivavam aplicadas desavenças com ele – o que lhe valeu êxito na política, em uma carreira iniciada com uma vitória parcial, posto que na primeira tentativa de ser deputado estadual amargou uma quase eleição, ficando na primeira suplência.

Manteve uma atividade forense discreta, porque desde o começo dos anos 1950 fez-se um político em tempo integral, o que poderia sugerir ser estranho que se lembre dele na condição de Advogado. Porém, convém lembrar que toda sua atividade política – muito bem-sucedida até ser atingido pela morte – foi marcadamente pautada pelas ferramentas próprias usadas por um advogado diligente, fazendo-o um intelectual orgânico em um sistema político em que o exercício da arte da política se limitava pela força própria desse mesmo regime.

Há que se lembrar, então, que Petrônio Portella movia-se pelo exercício da advocacia, que jamais pode ser compreendida apenas pela formalidade do ambiente forense. E neste ponto, possivelmente nenhum político piauiense e bem poucos no Brasil tenham sido tão advogados quanto Petrônio Portella.

Livros sobre esse personagem fascinantes, como o de Zózimo Tavares (“Petrônio `Portella, uma biografia”) e textos de autores como Elio Gaspari, ajudam-nos a compreender essa postura do ex-ministro da Justiça enquanto um político que se utilizava de suas habilidades de advogado – o que muito bem fez na chamada “Missão Portella”, em 1974, que foi um dos passos para a distensão do regime autoritário inaugurado dez anos antes.

O homem que trafegou bem desde a juventude até a morte na cena principal e bastidores do poder, o fez incomum talento de conciliar – outro ponto que se deve lembrar dele enquanto advogado. Sobre isso, aliás, convém lembrar que Petrônio, jovem, opunha-se ao governador Pedro Freitas, mas mesmo assim conseguia um ponto de equilíbrio de socialibilidade, a ponto de namorar a filha de seu mais forte adversário, o governador Pedro Freitas (1951-1955), dona Iracema, de quem se tornaria marido até o fim da vida.

Evidentemente que conseguir separar sentimentos de posições políticas e ter habilidade e bom senso para não confundir adversário com inimigo, são uma demonstração de quão era habilidoso, na vida e na política, o advogado Petrônio Portella.

Mas esse hábil advogado que pouco atou, teve participação em Teresina da década de 50, de um julgamento de grande repercussão, tendo sido assistente de acusação no rumoroso processo de Zezé Leão – homem temido e acusado de crimes de grande monta.

Por isso mesmo, quem se der um tempo para ler uma biografia, por mais curta que seja, deste personagem fascinante da política brasileira, vai perceber que toda a vida política de Petrônio se constrói sobre a sua capacidade de convencimento – que ao fim e ao cabo deve ser o papel do advogado: cuidar para que as pessoas se convençam da tese que ele defende ou ainda para que seja o acordo, e não a disputa renhida e cega, o desfecho das diferenças que sempre separam as pessoas.

Petrônio foi hábil ao negociar um impensável acordo na política do Piauí entre PSD e UDN, que resultou, aliás, em sua eleição para governador, de onde projetou-se para o cenário nacional. Na condição de senador e depois de ministro da Justiça, foi o negociador de um processo de redemocratização e de anistia política, ações que alinhavou com acuidade e talento, algo que se poderá perceber em uma frase reproduzida pela revista Veja, edição de 16 de janeiro de 1980, dez dias após a morte de Petrônio: “Ando devagar, mas sempre deixei o rastro da abertura. Não há passo meu que não tenha aberto. Não há passo meu que tenha fechado”.

Álvaro Mota

Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.
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