
O Piauí ocupa uma posição alarmante no mapa da saúde mental do Brasil. Segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde (2024, com dados até 2022), o estado aparece como o terceiro do país em casos de adoecimento psíquico, autolesão e suicídio. A capital, Teresina, é também a terceira capital brasileira com maior índice de suicídio. Os números mostram que ter acesso a atendimento em saúde mental no Piauí ainda é privilégio, não um direito garantido.
Ao mesmo tempo em que se registram esses dados, a profissão de psicólogo segue desvalorizada no serviço público. A psicóloga Milena Albuquerque, voluntária do Projeto Casulo Cuidar, aponta que não há carreira estruturada de psicólogo no estado do Piauí e quando concursos são realizados, oferecem poucas vagas, incapazes de atender à demanda crescente. “A procura por psicólogos em consultórios privados aumentou significativamente após a pandemia, e as agendas estão lotadas. É difícil entender por que se valoriza tanto a psicologia no plano individual, mas não há investimento em serviços e políticas públicas que garantam esse direito à população”, critica.
Ela denuncia que o resultado dessa falta de valorização é uma rede de atendimento precária, instituições sem protocolos claros para atendimentos de emergência, como surtos psicóticos, tentativas de suicídio ou outras crises graves. “Muitas famílias não sabem a quem recorrer em situações como essa, de emergência. E, sem uma política estadual ou municipal consolidada, a saúde mental continua tratada como um tema secundário, sem prioridade nos orçamentos”, comenta.
A lacuna do poder público se soma a outro fenômeno: a fragilidade dos laços sociais, especialmente entre os jovens. O isolamento social durante a pandemia deixou marcas profundas, com as quais ainda estamos lidando. Muitos adolescentes e adultos jovens perderam o contato presencial com redes de apoio reais e migraram para vínculos frágeis, mediados por telas.
“Os jovens estão cada vez mais orientados por influenciadores digitais, que muitas vezes não têm compromisso com a ciência, mas apenas com o mercado. O que vale é o que vende mais”, observa Milena, que também é mestra em Filosofia. Acrescenta que esse vazio se reflete em relações fragilizadas, em um aumento da vulnerabilidade emocional que, somada a outras vulnerabilidades, acarreta situações alarmantes.
Diante desse quadro, fica ainda mais clara a percepção de que saúde mental não pode ser tratada como um assunto restrito à saúde, à psicologia ou à psiquiatria. Educação, assistência social e cultura precisam estar na mesa de discussão. “O adoecimento psíquico emerge também de padrões culturais rígidos e de um tecido social frágil. Por isso, cultura e coletividade devem ser entendidas como fontes não de doença, mas de acolhimento e de cura”, afirma a psicóloga.
Essa discussão esteve presente na conferência pública “Saúde Mental como Direito e Política Pública”, realizada pela Universidade Federal do Piauí. O evento destacou o desafio de criar protocolos, consolidar políticas de atenção e, principalmente, garantir que saúde mental seja tratada como questão de direito e cidadania. O momento integrou a programação da II Jornada Antimanicomial promovida pelo Casulo Cuidar, movimento criado pela professora doutora Filadelfia Carvalho de Sena, que coordena o núcleo de pesquisas voltado à saúde mental das juventudes universitárias da instituição.
Na conferência de abertura esteve presente o doutor Igo Sampaio, defensor público do Piauí, ativista em Direitos Humanos e causas sociais. Ele tratou sobre democratização da saúde, vulnerabilidades e invisibilidades no acesso à políticas públicas de saúde.
Também participou o prefeito de Tanque do Piauí, Tiel Sales, que é agente de saúde. Ele falou sobre a realidade dos trabalhadores da atenção primária, os desafios da gestão municipal e a proposta de criação da primeira política de saúde mental do Piauí. Além dele, foi convidado o secretário de comunicação do município e psicólogo Thiago Cunha Melo, que falou sobre o lugar da psicologia nos marcos regulatórios sobre saúde mental no Brasil, os desafios da gestão e a ausência de políticas públicas específicas para a população.
O conteúdo desse debate, e das outras conferências públicas realizadas durante o evento, pode ser acessado no canal do Portal Piauí Hoje no Youtube, no link abaixo:
https://www.youtube.com/playlist?list=PLqJ0se9juJZaacjbS1YVJqz2PLTsHwZI5