A leucemia, um tipo de câncer que afeta as células sanguíneas e a medula óssea, apresenta diversos tipos e é notoriamente desafiadora de tratar, especialmente em adultos, que frequentemente não respondem bem aos tratamentos convencionais. As terapias celulares emergem como uma abordagem promissora, principalmente em casos onde as opções tradicionais falham. O princípio fundamental é reprogramar as células do sistema imunológico do próprio paciente para atacar as células malignas.
Uma das terapias celulares mais proeminentes é a CAR-T, que utiliza células do paciente modificadas geneticamente para combater tipos específicos de câncer sanguíneo, como a leucemia linfoblástica aguda (LLA) de células B, linfomas não Hodgkin e mieloma múltiplo. Outra abordagem em destaque é a terapia com células natural killers (NK), que podem ser extraídas do sangue periférico ou do cordão umbilical e armazenadas para uso futuro, tornando o tratamento mais ágil e menos dependente do estado individual do paciente.
Virginia Picanço, coordenadora do Laboratório de Biotecnologia do Hemocentro da Universidade de São Paulo (USP), explica que a terapia CAR-T, embora eficaz, é cara e depende da extração das células do próprio paciente, que podem estar comprometidas por tratamentos anteriores. O processo de fabricação das células CAR-T leva de duas a três semanas, o que pode resultar na perda de pacientes antes que recebam o tratamento.
Por outro lado, as células NK oferecem uma solução "off the shelf", disponíveis para uso imediato, sem necessidade de fabricação individual. Essas células têm a habilidade de identificar e eliminar células estranhas, incluindo as cancerígenas. Entretanto, em pacientes com câncer, suas funções podem ser comprometidas, conforme explica a hematologista Lucila Kerbauy, coordenadora médica de terapia celular avançada do Hospital Israelita Albert Einstein.
A alta custo da terapia CAR-T muitas vezes leva pacientes a buscar recursos judiciais para acesso ao tratamento, sobrecarregando o sistema público de saúde e acentuando as desigualdades socioeconômicas. Picanço defende que o Brasil deve investir no desenvolvimento local dessas terapias, reduzindo a dependência de tecnologias importadas e tornando-as mais acessíveis.
Cenário Brasileiro das Terapias Celulares
Já há estudos com células NK contra leucemia sendo realizados no Brasil. Em 2021, uma pesquisa pioneira liderada pela hematologista Lucia Silla, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi publicada no British Journal of Haematology, focando no uso de células NK extraídas de doadores para tratar leucemia mieloide aguda (LMA).
A LMA, uma forma agressiva de câncer no sangue, registrou um aumento significativo de casos no Brasil nos últimos cinco anos, com custos de tratamento que também dispararam. Recentemente, o Hospital Einstein iniciou uma pesquisa utilizando células NK extraídas de cordões umbilicais para tratar LMA em pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais, com aprovação da Anvisa para testes em humanos.
A USP, por sua vez, está explorando uma abordagem diferente, buscando modificar geneticamente as células NK para torná-las mais eficazes no combate a células neoplásicas específicas. Essa pesquisa, embora ainda em fase inicial, busca desenvolver uma variante que possa ser aplicada em casos de leucemia do tipo linfoblástica aguda e linfoma.
As células NK obtidas de cordões umbilicais são vistas como uma alternativa promissora devido à abundância dessas amostras disponíveis e ao fato de que um único cordão pode gerar múltiplos tratamentos. Com mais de 1 milhão de bolsas de células de cordão umbilical estocadas globalmente, sua utilização se torna viável e eficiente, permitindo tratar múltiplos pacientes.
Essas terapias são especialmente importantes, considerando que a demanda por tratamentos para LMA é significativa e as chances de cura em casos que não respondem aos métodos tradicionais são baixas. O objetivo é que, no futuro, o tratamento com células NK possa ser disponibilizado como um "produto de prateleira", tornando-o rápido e acessível, sem necessidade de compatibilidade genética, o que ampliaria o alcance e a eficácia do tratamento.
Fonte: Brasil 247