
Na madrugada do dia de São Jorge, um grupo de fiéis católicos começa a celebração ainda antes do nascer do sol, às cinco horas da manhã, no bairro de Quintino, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Esse é o momento que marca o início oficial do feriado dedicado ao santo, celebrado com uma tradicional queima de fogos. São Jorge é um padroeiro venerado não só no Rio, mas também em outros lugares do Brasil e do mundo.
Segundo atradição católica, São Jorge é considerado um santo guerreiro, protetor dos cavaleiros, soldados, escoteiros, esgrimistas e arqueiros, sendo visto como um símbolo de luta contra as dificuldades da vida e do mal. O Vaticano descreve o santo como um exemplo de que, ao longo do tempo, o bem sempre vence o mal, e que a batalha contra o mal não pode ser vencida sozinha, mas com a ajuda divina.
Luiz Antônio Simas, historiador e escritor, explica que São Jorge é um dos "santos do cotidiano", aquele invocado para resolver problemas imediatos, como os perrengues diários, em contraste com outros santos invocados para causas mais específicas, como Santo Expedito para causas urgentes. "São Jorge é um santo da rua", diz Simas, refletindo sua conexão com as dificuldades diárias e sua popularidade.Fiéis lotam a igreja de São Jorge, em Quintino, na zona zorte do Rio de Janeiro em comemoração ao dia do Santo Foto de Arquivo/Tomaz Silva/Agência Brasil
Origens de São Jorge
Embora a história de São Jorge seja envolta em lendas, ela tem raízes na tradição oral. Segundo a versão mais conhecida, ele nasceu na Capadócia, atual Turquia, por volta do ano 280, e foi cristão desde jovem. Após alistar-se no exército romano, enfrentou uma perseguição brutal contra os cristãos, o que levou à sua tortura e decapitação em 303, sob o imperador Diocleciano.
Durante as Cruzadas, que ocorreram entre os séculos XI e XIII, a história de São Jorge ganhou novos elementos, incluindo a famosa lenda do dragão. Segundo a narrativa, um dragão aterrorizava a cidade de Selém (atual Líbia), e para acalmá-lo, era necessário oferecer uma jovem. Quando a filha do rei foi escolhida, São Jorge se levantou e matou o dragão com sua espada, uma imagem que até hoje é a mais representativa do santo. Esse ato foi interpretado como a derrota do mal, simbolizado pelo dragão, e foi comparado à luta contra o Islamismo durante as Cruzadas.Fiéis são benzidos durante festejos de São Jorge em Quintino, na zona norte do Rio Foto de Arquivo/Tânia Rêgo/Agência Brasil
São Jorge e Ogum: diferenças e sincretismo
No contexto das religiações afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda, existe um debate sobre a relação entre São Jorge e Ogum, orixá guerreiro da mitologia africana. Flávia Pinto, socióloga e mãe de santo, esclarece que São Jorge não é Ogum, embora compartilhem o perfil de guerreiros. Ela explica que, enquanto São Jorge foi um cristão do século III, Ogum é uma figura muito mais antiga, com mais de 10 mil anos de história na África. Apesar disso, há uma conexão simbólica entre ambos, com São Jorge sendo visto como um "filho pródigo de Ogum", mas não como o próprio orixá.
Flávia também alerta contra a visão romantizada do sincretismo religioso, que associou o santo católico às divindades africanas. Para ela, o processo de colonização e imposição religiosa aos povos indígenas e africanos foi violento e não pode ser simplificado de forma idealizada. "A imposição de uma fé cristã eurocentrada sobre outras crenças resultou em processos de dominação e violência", diz a socióloga, embora ela reconheça que, com o tempo, os afrodescendentes conseguiram ressignificar a figura de São Jorge, associando-o a seus orixás como forma de resistência.Fiéis de religiões de matrizes africanas participam de celebração em homenagem ao Dia de São Jorge no centro do Rio de Janeiro. Foto de Arquivo/Tomaz Silva/Agência Brasil
Celebrações de São Jorge no Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, os festejos de São Jorge em Quintino são marcados por missas, procissões e rituais de benção, que atraem muitos fiéis. Durante as celebrações, é comum que as pessoas se reúnam nas igrejas dedicadas ao santo, onde são feitas orações e pedidos de proteção. A presença de devotos de diversas religiões e culturas, incluindo seguidores de religiões afro-brasileiras, reforça o caráter multicultural da celebração.
Em 23 de abril, o centro do Rio de Janeiro também recebe celebrações em homenagem a São Jorge, com a participação de fiéis de várias origens, refletindo a diversidade religiosa do estado e a popularidade do santo guerreiro entre diferentes comunidades.
São Jorge, assim, permanece uma figura central na religiosidade brasileira, unindo católicos, pessoas de religiões afro-brasileiras e outros, como um símbolo de luta, coragem e vitória contra o mal.
Fonte: Agência Brasil