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LEI MARIA DA PENHA

Lei Maria da Penha completa 18 anos, mas ainda é desconhecida por muita gente

Sancionada em 7 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha é um marco importante da violência contra mulher

Por Ingrid Santana e Emanuel Pereira

Terça - 06/08/2024 às 22:05



Foto: V&Young O
O "X" na palma da mão representa o sinal de ajuda de mulheres vítimas de violência doméstica

O dia 07 de agosto de 2006 é um dos mais emblemáticos em relação à luta contra a violência doméstica. Nesta data, o Brasil sancionou a Lei nº 11.340, em homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, ativista que, após ser violentada pelo marido durante 23 anos, lutou pela condenação do agressor e evidenciou o descaso da população e das autoridades brasileiras quanto aos direitos das mulheres.

Nesta quarta-feira (07), a Lei Maria da Penha completa a maioridade. São 18 anos em vigor para proteger as mulheres e assegurar justiça aos mais absurdos casos de violência doméstica em todo o país.

Lei Maria da Penha completa 18 anos de vigência no Brasil, um marco fundamental para as mulheres vítimas de violência doméstica.

Apesar de muito se falar na Lei, ainda são poucas as pessoas que sabem como ela pode ser aplicada em defesa das mulheres. Uma pesquisa realizada em março de 2024, constatou que, a cada 10 mulheres brasileiras, apenas 2 se consideram bem informadas sobre a Lei Maria da Penha. O levantamento foi feito na 10ª Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, feita pelo Instituto Datasenado e também pelo Observatório da Mulher Contra a Violência.

A lei assegura que é responsabilidade do Estado coibir a violência contra às mulheres nos ambientes doméstico e familiar. Até a promulgação da Lei Maria da Penha, não havia legislação no Brasil sobre a violência doméstica. Os registros de violência familiar eram tratadas como pequenas causas: casos de menor complexidade, que eram encaminhados em Juizados Especiais - aqueles relacionados às infrações de menor ofensa.

A advogada Michele Amorim é especialista em Direito Constitucional, Penal, Processo Penal ,faz uma pós-graduação em Gênero e Direitos Humanos e é Ouvidora da Mulher OAB-PI (Ordem dos Advogados do Brasil - Piauí), atua predominantemente em violência doméstica há 7 anos. Ela relata sobre a falta de informação sobre à Lei e a predominância dos casos de violência contra mulher que persistem ainda hoje.

A Lei Maria da Penha faz 18 anos e atinge a sua maioridade, de lá pra cá, a gente já andou muito, infelizmente não a passos largos, mas a gente consegue observar uma progressão ao longo desses 18 anos. Infelizmente, a gente ainda vê muitos casos de violência e hoje a gente sabe que os números são subnotificações. A gente vê muita a questão que as mulheres ainda hoje não sabem o que a Lei Maria da Penha ampara, né, porque não é apenas a relação marido e mulher, mas uma relação de situação familiar, ou seja, um neto contra uma vó, uma neta contra uma vó, um sobrinho contra uma tia, desde que que o sujeito que esteja sofrendo a violência seja uma mulher.      

Advogada Michele Amorim. Foto: Ingrid Santana

A advogada também explica como a Lei Maria da Penha pode ajudar a vítima a denunciar o agressor e oferecer amparo nos casos de agressão. "Primeiro, o conhecimento. Segundo, ela saber que precisa e deve denunciar a situação que não é normal, te proibir de falar com os amigos, usar batom e unhas vermelhas, porque são coisas proibidas pelo abusador que é para trazer justamente a figura de 'eu posso, eu devo, isso não é errado, não é pecado, não é nenhum crime'. Então, primeiro a mulher deve saber o que é violência, nós sabemos que é um conceito muito subjetivo, então o que é violência pra mim pode não ser para você. A mulher tem que compreender que aquela situação que ela tá vivendo é errada, é um abuso, ela está sendo oprimida e é uma vítima. A partir do momento que ela consiga ter essa compreensão, porque imagina você está dando uma palestra em um comunidade e começa a falar situações que são violência, muitas mulheres levantam a mão e dizem assim 'ah, doutora eu vivo isso' 'eu passo por isso, a minha irmã, meu irmão', aí vem os relatos de pessoas que estão inseridas no contexto da violência e se quer sabem que estão. Ela já tem consciência que tá submetida à violência doméstica e procura ir a uma delegacia, a gente tem a rede de apoio, a Casa da Mulher Brasileira, o Centro de Referência Esperança Garcia, então serve para acolher, ouvir e até mesmo para fazer direcionamento", explana.  

Conforme o artigo 5° da Lei, a violência doméstica e familiar é quando uma mulher vítima de violência sofre "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e ou patrimonial" no contexto doméstico e familiar. Ou seja, é a violência que ocorre entre pessoas da mesma família, que convivem em um mesmo espaço, mesmo sem ter laços familiares, e em relações afetivas, inclusive aquelas que já foram encerradas.

No Piauí, garantir efetividade a essa legislação é indispensável, pois os índices de violação aos direitos das mulheres são alarmantes. Em 2023, A Polícia Civil registrou 3413 ocorrências desta natureza, o que corresponde a quase 10 casos diários.

Geralmente, a violência está associada à agressão física, mas há outros tipos. São 5 tipos de violência doméstica e familiar contra mulher:

  • Violência física: quando há qualquer agressão  que prejudique a integridade ou saúde corporal da mulher.
  • Violência psicológica: condutas que provocam dano emocional e prejudicam no exercício da mulher em tomar suas próprias decisões e exercer seus comportamentos e crenças.
  • Violência sexual: qualquer ato que constranja a vítima presenciar ou participar de uma relação sexual não desejada mediante ameaça, coação ou uso da força. Também envolve situações em que há uso de intimidação que impossibilite o uso de qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição mediante coação.
  • Violência moral: são práticas caracterizadas como calúnia, difamação ou injúria.
  • Violência patrimonial: práticas que configurem como controle de reter, subtrair ou destruir objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores ou recursos econômicos da vítima.

Fala da advogada sobre os tipos de violência

Os números do feminicídio também são assustadores e alarmantes. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Piauí (SSP-PI), no primeiro semestre deste ano, já foram registrados 21 casos. Em 2023, 28 mulheres tiveram suas vidas brutalmente interrompidas por este crime de ódio.

Os números de feminicídio crescem a cada ano no Piauí. Foto: Rede Brasil Atual

A delegada Nathália Figueiredo, do Núcleo de Feminicídios do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP-PI), fala sobre o que se configura como crime de feminicídio.

Delegada Nathália Figueiredo, no DHPP. Foto: Ingrid Santana

Quando se fala em feminicídio, a gente vê que esse crime é cometido com mais crueldade, principalmente porque o agressor não tem o interesse em apenas ceifar a vida da vítima, ele quer atingir inclusive a sua dignidade. Se observa que quando pratica esse crime, ele procura atingir o rosto da vítima, as partes genitais, o colo. Então, é aquele domínio que vem de uma forma tão grotesca que ele não se contenta em apenas matar, né, se quer inclusive atingir a dignidade da vítima, explica a delegada.

A delegada participou da investigação do assassinato e estupro da Janaína Bezerra, estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Piauí (UFPI), que foi assassinada dentro do campus da universidade pelo mestrando de Matemática, Thiago Mayson. O acusado foi condenado por 18 anos de prisão e respondeu por quatro crimes: homicídio, vilipêndio ao cadáver (por ter estuprado Janaína quando ela já estava morta, fraude processual (por alterar provas do crime) e estupro de vulnerável.  

Thiago Mayson estuprou e matou Janaína Bezerra no campus da UFPI, em Teresina, durante uma calourada. O crime ocorreu em 23 janeiro de 2023. Foto: Reprodução/Redes Sociais

Foi um crime que além de ter acontecido a morte dela no contexto de feminicídio, ou seja, houve o menosprezo e a discriminação pelo fato dela ser mulher, que o autor via a vítima como objeto sexual, houve um crime sexual que foi praticando quando ela ainda estava viva, como após o óbito, onde nós indiciamos ele também ao crime de vilipêndio ao cadáver, que é a prática de necrofilia, relembra o caso brutal.  


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