Existem mais semelhanças entre o Capitão Nascimento e John Rambo do que sonha nossa vã filosofia pop. Mesmo em cantos opostos do mundo - um no Rio de Janeiro e outro na Tailândia e Mianmar - os dois personagens carregam um arsenal de frases de efeito capaz de deixar o ouvido do espectador zunindo mesmo horas depois de sair da sala de cinema. Em um dos momentos mais profundos de "Rambo IV", que estréia no Brasil esta sexta-feira (29), John Rambo (Silvester Stallone) decreta: "Quando você é pressionado, matar é tão fácil quanto respirar". Vinte anos se passaram desde a última missão do ex-combatente do exército americano nas montanhas do Afeganistão, e agora ele tenta domar seus demônios pessoais trabalhando como um pacato caçador de cobras naja em um vilarejo na selva tailandesa ao sudeste de Mianmar, região dominada por uma sangrenta guerra civil que já dura mais de 50 anos, desde que o país (antiga Birmânia) deixou de ser uma colônia inglesa e passou a ser controlado com mãos de ferro por uma ditadura militar (clique aqui para saber mais da história e da situação política de Mianmar). Procurado por um grupo de missionários americanos que pretende levar ajuda e remédios para os rebeldes da etnia Karen rio acima (alguma semelhança com a ONG da favela de "Tropa de elite"?), Rambo faz de tudo para dissuadi-los a tempo: "Vocês estão levando armas?". Ao que o líder do grupo responde: "Claro que não!". E Rambo: "Vocês não vão mudar nada". Mas, assim como "Tropa", "Rambo IV" tem também a bonitinha bem-intencionada (Julie Benz) que acaba amolecendo o coração endurecido do veterano de guerra. Depois de mandá-la para casa repetidas vezes, Rambo percebe que a moça não vai desistir tão fácil e, só por ela, que fique bem claro, decide aceitar transportar os missionários em sua embarcação velha através da fronteira de Mianmar. "Viva por nada, ou morra por alguma coisa", reflete o agora sessentão ex-combatente. Mas que ninguém pense que está aí mais uma patriotada em favor da guerra, em especial das guerras movidas pelos Estados Unidos em todos esses anos. "Você não mata pelo seu país, você mata por si mesmo", crava Rambo. "A guerra está em seu sangue". Em outro momento digno de Capitão Nascimento, o barco de Rambo transportando os missionários é atacado por um grupo de piratas impiedosos (o adjetivo é importante, já que aqui - como na favela de "Tropa"-, os bonzinhos são mais ou menos, mas os maus são maus mesmo). Para poupar a vida dos tripulantes, o chefe dos piratas exige de Rambo que lhe entregue a mocinha, mas o que acaba recebendo é uma saraivada de balas no meio da fuça. Choque geral na embarcação. "O que você fez? Nós viemos aqui para acabar com a matança!", reclama o líder dos missionários. "Quem matou foi você. Depois a gente vem para desfazer as m... que vocês fazem" - esta última é do Capitão Nascimento, claro, mas podia muito bem ter saído de boca de Rambo. Graças à truculência do barqueiro, o grupo chega a seu destino final são e salvo, mas, dali em diante, é adeus, boas intenções. Seqüestrados pelos soldados do exército birmanês depois de um ataque ao vilarejo dos Karen, os civis americanos são feitos prisioneiros e caberá a Rambo e a uma equipe de mercenários nada politicamente corretos fazer o serviço sujo de resgatá-los - a pedido do pastor dos missionários, não do papa. DivulgaçãoRambo ataca um soldado birmanês na calada da noite (Foto: Divulgação) Contagem de corposDirigido pelo próprio Sylvester Stallone, "Rambo IV" não economiza no número de mortes. São 236 durante todo o filme, contra 132 de "Rambo III", 69 de "Rambo II" e apenas uma morte do primeiro filme, de acordo com as contas de um repórter do jornal "Los Angeles Times". Boa parte delas é provocada pelos soldados birmaneses que, já antes de começarem os créditos iniciais do longa, aparecem executando pelas costas presos de guerra que correm desesperados por plantações de arroz pontuadas por minas explosivas. Estupros coletivos, referências a pedofilia e cabeças decepadas não ajudam a tornar o filme mais leve do que as barbaridades e cenas de tortura de "Tropa". Visto sem compromisso, tudo não passa de um grande videogame desses de tiro, evolução natural dos filmes de ação de Hollywood. Divertido até, para quem tem estômago. Mas olhando um pouco mais de perto, "Rambo IV" é a personificação daquele discurso que diz que, quando tudo parece estar perdido, a melhor solução é mandar tudo pelos ares.
Fonte: Globo
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