
“Sem enfrentar as raízes da desigualdade, vamos continuar enxugando gelo.” A frase é da professora e cientista social Fabíola Lemos, militante feminista e presidenta do Instituto Piauiense de Juventude. Ela defende a educação como principal ferramenta para mudar o futuro das mulheres no Brasil.
Em entrevista ao Podcast Mulher Mais, Fabíola conversou com a jornalista Michele Sâmia e a ex-vereadora Rosário Bezerra, destacando que não basta punir casos de violência de gênero, é preciso agir antes que eles aconteçam. “A pena tem que ser acessória. O que realmente transforma é a educação, a ciência e o conhecimento crítico desde cedo”, disse, ressaltando que a escola é o espaço capaz de quebrar ciclos de machismo e desigualdade que começam dentro de casa.
Esse olhar para a formação desde cedo é o que sustenta sua crítica às bases da sociedade. Fabíola avalia que a desigualdade começa ainda dentro das famílias, na forma como meninos e meninas são tratados.
Muitos crescem vendo o pai humilhar a mãe, naturalizando o machismo e reproduzindo esses padrões na vida adulta. É por isso que precisamos agir na base, para evitar que esses meninos se tornem futuros agressores e que essas meninas aceitem a violência como normal.
Gravação do Podcast "Mulher Mais"
Ao ampliar o debate, Fabíola aponta que a luta das mulheres não ameaça apenas costumes, mas também estruturas de poder. Para ela, o feminismo se tornou o movimento mais ameaçador ao sistema. “Assim como Marx dizia que o socialismo era o espectro que rondava o século XIX, hoje o feminismo cumpre esse papel. Ele é quem ameaça de verdade uma estrutura que depende da exploração das mulheres para se manter.”
Esse enfrentamento também se reflete em sua experiência pessoal como professora. Fabíola, que leciona sociologia e filosofia, relata ter sido alvo de perseguições políticas em escolas particulares de Teresina apenas por tratar de temas previstos no currículo, como povos indígenas e quilombolas. “Transformaram ciência em disputa ideológica. É o conhecimento que liberta, não o silêncio.”
A trajetória de Fabíola também passa pela política institucional. Filiada ao PT há quase 30 anos, já disputou eleições para vereadora e deputada federal e sabe as consequências desse gesto. “Mulher que disputa vira alvo”, resume. Segundo ela, enquanto as mulheres são maioria em associações e movimentos sociais, quando o espaço é o da política formal as barreiras se multiplicam.
Há uma utilidade para a mulher que organiza, mas a mulher que disputa vira alvo de ataques, constrangimentos e exclusões.
Por isso, ela esclarece que a entrada das mulheres na política não tem nada de glamour. É, antes de tudo, uma necessidade. “Percebi isso quando vi que o que eu ensinava nos livros, como fascismo, autoritarismo, violência contra mulheres, estava acontecendo diante dos meus olhos”, lembrou.
Em meio a esse cenário, Fabíola revelou seu maior sonho: ver uma sociedade em que o lucro não dite as relações humanas. “É ele que explora, que mata, que impede o avanço das mulheres. A saída está na superação desse sistema de exploração.”