
"Não pode a alma praticar as virtudes ou alcançá-las sozinha, sem ajuda de Deus; e por sua vez, Deus não as concede à alma sozinho, sem a cooperação dela. Embora seja verdade que toda dádiva boa e todo dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, conforme diz São Tiago (Tg 1,17), contudo, não se pode alcançar graça alguma sem a capacidade de cooperação da alma que a recebe. O movimento para o bem, portanto, há de vir somente de Deus,… mas o correr não é só dele nem só da alma, e sim de ambos juntos, significando a ação de Deus e da alma conjuntamente." — João da Cruz, Cântico Espiritual, 30, 6.
A profunda reflexão de João da Cruz sobre a intrincada dinâmica entre a alma humana e a dádiva divina ressoa como uma verdade universal e atemporal: nenhuma transformação genuína ocorre no isolamento individual, mas sim na sinergia harmoniosa entre o esforço humano e a inspiração divina. Noutras palavras, o crescimento ético e espiritual não é um empreendimento solitário, mas uma cocriação sublime entre o divino e o humano.
De um lado, João da Cruz nos lembra que não há virtude que possa florescer e se sustentar unicamente através da força de vontade individual. Esta tentativa seria análoga a navegar em águas turbulentas sem o auxílio do vento: por mais que nos esforcemos em remar, falta-nos o impulso vital que provém de uma força superior. O místico espanhol enfatiza que Deus é a fonte primordial de todo bem, a centelha divina que inicia o movimento rumo à virtude e à perfeição espiritual.
Por outro lado, ele nos adverte que a gratuidade divina não é um presente que simplesmente cai do céu sobre espectadores passivos. A alma humana precisa estar receptiva e preparada, como um solo fértil pronto para receber e nutrir a semente divina. Esta preparação exige ação concreta por parte do indivíduo: escolhas conscientes feitas diariamente, coragem para abraçar a mudança e disciplina inabalável para perseverar no caminho espiritual do amor gratuito.
Segundo João da Cruz o Divino não invade arbitrariamente a existência humana, mas convida gentilmente à participação; a pessoa, por sua vez, não exige presunçosamente, mas responde humildemente ao chamado divino. Esta relação mística é caracterizada por uma mutualidade profunda, assemelhando-se a um dueto sinfônico onde ambas as vozes — a divina e a humana — se entrelaçam em perfeita harmonia.
Podemos estender a compreensão desta dinâmica através da metáfora de um jardim espiritual. Neste cenário, Deus é o jardineiro supremo, fornecendo os elementos essenciais: o solo fértil da existência, as sementes das virtudes, o sol da gratuidade divina e a água da sabedoria eterna. A alma humana, por sua vez, é o terreno vivo onde este jardim se desenvolve.
Para o homem e a mulher imersos na complexidade do mundo contemporâneo, a mensagem de João da Cruz é um chamado eloquente à prática de uma humildade ativa e dinâmica — reconhecer com gratidão que necessitamos da Fonte do Amor Pleno, mas simultaneamente assumir que temos um papel ativo e decisivo nesta parceria íntima e profunda ao longo da jornada pessoal e comunitária.
Na sociedade atual, diversos fatores como o materialismo excessivo, o ritmo acelerado de vida e o individualismo extremo podem dificultar a percepção e a vivência desta sinergia mística. Para vivenciar mais plenamente esta cooperação divino-humana, podemos considerar práticas como a meditação contemplativa, o exame de consciência diário, o estudo de textos sagrados, o serviço desinteressado, a prática da gratidão, o cultivo de relacionamentos profundos e a conexão cuidadosa com a natureza.
É importante notar que esta dinâmica não se limita à esfera puramente pessoal. A tradição cristã sempre enfatizou a dimensão comunitária da fé e da prática espiritual. Assim, a cooperação com a dádiva divina não é apenas um projeto individual, mas uma missão coletiva. Cada pessoa, ao responder ao chamado divino, contribui para a transformação fraternal da comunidade.
A reflexão de João da Cruz é um chamado para reconhecermos a gratuidade que permeia cada momento de nossas vidas e para respondermos a ela com todo o nosso ser. Nesta parceria do humano com o divino, cada passo que damos em direção à virtude, cada ato de amor, cada momento de consciência elevada, é simultaneamente nossa oferta a Deus e o dom de Deus para nós. É nesta interação dinâmica e contínua que nos tornamos "co-criadores" com o Divino.
Em uma cultura que oscila entre o hiperindividualismo ("eu faço tudo sozinho") e a dependência passiva ("Deus que resolva"), essa visão equilibrada resgata a beleza da responsabilidade compartilhada. É um chamado à humildade ativa — reconhecer que precisamos de algo além de nós, mas também assumir que temos um papel decisivo nessa jornada de gratuidade progressiva compartilhada cotidianamente com o Deus da Vida Plena.
