Proa & Prosa

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Passagem da Manga

Sendo tema recorrente dos meus próprios apontamentos – sou um desentranhado daquele redor –, bem-fiz-eu em fazer esse “passeio” com o caro Felipe.

Fonseca Neto

Segunda - 06/09/2021 às 10:57



Foto: Divulgação Passagem da Manga
Passagem da Manga

 Ontem, 4 de setembro, visitei um dos lugares mais distinguíveis da história relacionada ao Parnaíba: Passagem da Manga, no curso médio-alto desse rio. Viagem que fiz, acompanhando o acadêmico e professor Felipe Mendes de Oliveira, que pesquisa intensamente o Piauí em busca de pistas para entendê-lo ainda mais e sobre ele apontar rumos.

Sendo tema recorrente dos meus próprios apontamentos – sou um desentranhado daquele redor –, bem-fiz-eu em fazer esse “passeio” com o caro Felipe.

Passamos por Floriano, e já tivemos a primeira vista do rio, ali no sítio do Estabelecimento São Pedro de Alcântara, junto à Passagem do Bom Jardim, a jusante da velha Manga, cerca de 30 quilômetros.

Subimos por terra pelo lado do Piauí rumo ao nosso destino. Sol quente, chegamos no lugar da Passagem da Manga, margem direita, identificação o sítio original ribeirinho, entramos na secular capela de Nossa Senhora da Conceição da Manga, localidade historicamente também chamada de Conceição da Uhyca. Igreja levantada em 1861.

Partindo desse exato lugar – diz a tradição historiográfica, documentada – que a bandeira colonizadora da Casa da Torre transpôs o belo rio para o lado esquerdo dele. Logo entendemos: ali naquela “passagem” o rio desce sobre/entre um forro e beiral formados por imensos lajedos. Aliás, do lado direito, Piauí, um pequeno cais, e calado natural, permitem fazer pequenos embarques.

Pois ali mesmo, tomamos canoa para o lado maranhense da Passagem: sítio rugoso e mais encorpado demograficamente, cuja visão é de um lugar tranquilo pelo capricho de três séculos de movimento colonizador. Na aparência sugerindo o tempo lento do quase-não-acontecer da aventura humana. Aventura que flui como aquelas águas límpidas que em parte atravessamos molhando os pés e desviando das piabas ariscas.

Ruas longas, sem adensamento, intervaladas por quintais delimitados com velhas cercas de faxina de meio tamanho. Logo fomos visitar a capela – ao que consta, a mais antiga construção católica da metade sul do Maranhão. Segundo Olavo F.º, do final do Setecentos, começo do Oitocentos. Nela a imagem da Senhora da Conceição, a exemplo da que vimos no lado piauiense. Construção sólida, paredes de um metro de largura, feitas com grandes lajedos de cantaria extraídos e lapidados na fartura pedregosa do próprio sítio. Com certeza, capelas levantadas pelo braço forte de trabalhadores escravizados.

Impressionou-me a mesa retabular do antigo altar em que o nicho da padroeira, aparentemente descaracterizado esse lugar sacro. Sabe-se que essa igreja já dispôs de valiosas alfaias, imagens sacras, aliás, meia légua de terras do seu arredor era “da Santa”. Do lado do Piauí, idem.

Nesse flaneur sob sol forte e brisa fria, chegamos ao platô alevantado do rio, ou como se diz por lá, uma pequena “assentada”, local em que nosso “guia” ocasional logo disse: “aqui foi lugar onde ficavam os presos”. E com um jatobazeiro mais que simbólico de sua velhidade. Ele disse: quiseram derrubar o jatobazeiro para construir uma Quadra de Esportes... “E não deixaram por causa dessa história...”. Fizeram defronte a quadra coberta...

Lugar de prender gente? Claro ficou: local da velha Câmara e Cadeia. Sim, a Passagem da Manga, ambos os lados, no século XIX, foi sede de paróquia e de município. Do lado do Piauí, o município da Manga teve sua sede transferida para o lugar da Colônia de São Pedro de Alcântara, Floriano. A paroquia da Conceição da Uhyca foi sucedida pela atual de São Pedro. Do lado do Maranhão, o município e a paróquia da Manga tiveram suas sedes transferidas para a Passagem de São Francisco, frente a Amarante. A capela histórica da Conceição está hj na jurisdição da paróquia de Barão de Grajaú.

No lado esquerdo da Passagem da Manga, foi, por primeiro “aclamada” a Independência do Brasil em território da então província do Maranhão, em 1823. Obra conduzida por independentistas piauienses e cearenses. Nessa ocasião, elevado o lugar à condição política de vila – Vila Nova Imperial de Nossa Senhora da Conceição. Fato comunicado ao Império nos seguintes termos: “A povoação da Manga do distrito da Vila de Pastos Bons foi a primeira parte da província do Maranhão que teve a glória de aclamar a Independência”.

Sertões recônditos, pleno de história precisa de luz.

Fonseca Neto, historiador, da APL, do IHGP.  

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FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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