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Coronavirus
Ele disse que era uma gripezinha e sugeriu à população que levasse uma vida normal. Não vão morrer nem 800, fez gozação.
Passaram-se quatro meses e já morreram cem mil pessoas pela peste bosônica. Milhões de empestados. Uma hecatombe econômica e um horror social ainda não conhecido o tamanho porque em pleno curso.
É muito grave o que vem ocorrendo. Tudo agravado por falta do necessário cuidado com o corpo populacional brasileiro. São 27 governadores e 5.570 chefias municipais cada um fazendo, ou não fazendo, mais ou menos, o que quer fazer para enfrentar a mortandade.
Quanta armadilha a História em processo vem armando sob as nuvens – este céu sensacional passagense da minha infância. Na última festa de Natal, o mais genial conhecedor do Brasil não imaginara que, em 120 dias do Ano Novo que chegava, a doença, em quatro meses, no dia 8 de agosto de 2020, teria levado à cova e aos fornos crematórios mais de cem mil patrícios. Aliás, em Altos, Piauí, ainda ontem, havia um corpo abandonado e ao relento cemiterial, roubado o seu nome.
O que significa isso? Não é pouco. E não se trata de acontecimento fortuito a morte de tanta gente por uma doença só em tão pouco tempo. É um flagelo que decalca outras cicatrizes na alma humana, herdadas de eras séculas.
Também aqui neste espaço, já o lembramos, agora relembramos: as pestes são mais comuns que incomuns no andamento humano. Aliás, pestes matam a vida em suas diversas maneiras de manifestação e não somente elimina o bicho erguido na forma de gente.
Horror: os mais de cem mil tragados pela covid e os sinais de que a população mediana deixa de se impressionar e vai “naturalizando” a desgraça. Cem mil e mais mil a cada dia, já não horrorizam. Por quê?
Dor reiterada e o Brasil precisa seguir em frente, eis o argumento “naturalizante”. Mais: a mortandade avança ao Interior mais ruralizado e no favelal, alastrando-se em estruturas de moradia e de convivência de há muito degradadas.
Pior e sinal de terror social que acentua a desgraça: o elemento colocado como a “liderança moral” da Nação, por cálculo político, lidera a negação, boicota e até aniquila as medidas que o esforço da Ciência tenta colocar de pé em busca de atenuar a crise. Ele o faz por perversão – é apologista da tortura e do matar. Acima de tudo é instrumento ferino da lei mortal do sistema social-econômico, que reina: a espoliação que o Capital faz da energia humana, de corpos que suam e de almas privadas da felicidade.
O coração desses infames sociais, quando pulsa, move-se com sangue saturado em ódio. Negam a vitória da vida na síntese vermelha que corre, e irriga, as pulsações éticas e estéticas do ser feliz.
O corona mata em todo lugar. E o Brasil é um lugar no mundo. Mas por que aqui teria que ser tudo agravado, os horrores acentuados, infames figuras em palácios e em praças debochando desse adoecer pavoroso, que mata sufocando?
Predomina, como que inabalável, a formação mental e força material da parcela dos brasileiros que se fez poderosa no processo criminoso de colonização continuada. Criminoso e implacável: aqui a lei do mais forte, da escravidão mercantil ao bolsomorismo, “prende e arrebenta”. Aqui a lei não vinga eficaz senão para proteger os régulos da dita agressão colonizadora. É lugar comum cultural nesta reiterada colônia que os endinheirados estão acima da lei. Outra naturalização malandra.
Mas não seria exagero essa consideração de que brasileiros “naturalizam” o horror do sofrimento, qual um demente no quadro da condição humana? Como aceitam uma aberração infame dessas no lugar de guia de seu destino?
Insaciáveis os maiorais. Régulos perigosos. E o Nero da Gripezinha, mandando fogo e extinguindo matas e bichos milenares. “Assobiando” cantigas galhofeiras contra o senso de cientistas enquanto celebra a extinção do que ficou de índios. Sina? É nada. É a dominação/submissão em sua crueldade.
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Fonseca Neto
FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.