Proa & Prosa

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Contra independência

Não poucos são os estudos que apontam essas questões centrais que resultam no modo singular de se fazer uma separação sem se tornar independente de maneira real.

Fonseca Neto

Domingo - 04/09/2022 às 18:18



Foto: Divulgação Independência
Independência

Grito de independência? Nem grito e nem independência. A separação entre si, dos reinos de Portugal e do Brasil, que enreda os acontecimentos históricos e historiografados de 1822, constitui um vexaminoso processo de encobrimento para sonegar dos contemporâneos e dos pósteros a verdade do ocorrido.

Por quê a sonegação? Porque – há muito sabido – o conhecimento da verdade liberta. Parece discurso religioso? É discurso consistente com a sustentação da verdade no sentido da História. E diversos e excelentes estudos atestam que o encaminhamento da separação dos referidos reinos selou um acordo diplomático para conservar laços e não o contrário.

Os fatos se dão – naqueles dias do imediato 1822 – sob o  controle de um núcleo duro de poderosos, coesos, contra qualquer mudança que tendesse, por exemplo, abolir o sistema escravista e abrir o acesso à terra a não-possuidores. Que tendesse abolir a forma monárquica de governo, o elo, vivo, a enlaçar Portugal e o Brasil.

Não poucos são os estudos que apontam essas questões centrais que resultam no modo singular de se fazer uma separação sem se tornar independente de maneira real. Separa-se mas se mantem intactas a estrutura e dinâmica do escravismo secular, conservando-se a base de tudo, a terra de lavrar, nas mãos de meia dúzia. Conservando-se a própria monarquia luso-austríaca no comando político.

Aqueles eram dias e anos da reorganização da Europa continental e britânica, vencido Bonaparte pelas armas e tempestades. Eram dias em que, de Viena, tinha-se uma ajustada  cartografia de tronos restaurados, e do outro lado do Atlântico novos organismos e sujeitos, Estados de nações em larva, gerados sob o violência da dominação colonial.

Ora, 1815-22, neste lado, a parte norte, já se definira independente da Metrópole e até já formulada uma “doutrina” afirmando ser os EUA o Império de todo o continente americano. O Haiti, insular, porém do lado de cá, também já rompera, com fogo de revolução, os grilhões da escravidão e a sua separação da França. A América espanhola, inteira, proclamava-se independente e abolia a escravidão.

E a América portuguesa? Esta vivia sua singularidade intrigante: a colônia se tornara sede metropolitana do Império português, logo elevada juridicamente à categoria de reino, isto é, Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, entrando diretamente nos arranjos vienenses da geopolítica reacionária do pós Bonaparte. O que fez o Congresso de Viena? Jogou na contra-independência: sem concessão a emergências revolucionárias.

O referido Congresso, restaurador de tronos derrubados pela voragem revolucionária daquelas décadas, inclui-se nesse papel uma saída diplomática para o Reino Unido de Portugal e Brasil, com um Oceano partindo-lhe ao meio. Que fazer? Conservar a unidade, que significava conservar a forma tradicional monárquica, preservando a dinastia reinante, dos Bragança, lá e cá. O mais era negociável. Mesmo a cláusula da unidade política.

Assim se deu e esse é, em substância, o núcleo do pacto, que, dito de outro modo, “repactuou” o chamado “pacto colonial” dos Tempos Modernos. Essa repactuação incluiu garantir-se um nível de autonomia ao Reino do Brasil, bragantino, dado a Pedro, o filho, em face do Reino de Portugal, bragantino, de João, o pai.

Essa concertação política, tutelada pelo Reino da Inglaterra, incluía, no plano interno brasileiro, como cláusula pétrea, além da conservação da monarquia e suas leis básicas, deter, sem hesitação, quaisquer impulsões de caráter revolucionário. Ora, a vontade de uma emancipação política com garantia de real Independência, implicava em crime de lesa-majestade e pena de morte sumária.

Enfim, toda a negociação para colocar de pé o Império do Brasil, tinha como pressuposto e limite a permanência, reinante, da Coroa Luso-Austríaca, por Pedro e Leopoldina. Não há que se falar em Independência sem, no mínimo, a presença de novo governo no cenário. Isso não ocorreu no Brasil. Para quase a totalidade da população nada se alterou. Tudo como dantes.

Foi duramente reprimido, na força e nas câmaras, o projeto de Independência que moveu protagonistas populares médios e pequenos, de 1790 a 1840. O que houve em 1822 foi um contra revolucionamento para nada de essencial mudar.

Vale celebrar? Vale desenfeitar a fantasia.             

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Fonseca Neto

Fonseca Neto

FONSECA NETO, professor, articulista, advogado. Maranhense por natural e piauiense por querer de legítima lei. Formação acadêmica em História, Direito e Ciências Sociais. Doutorado em Políticas Públicas. Da Academia Piauiense de Letras, na Cadeira 1. Das Academias de Passagem Franca e Pastos Bons. Do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

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