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ANÁLISE

Projeto nacional hoje é um projeto para o Brasil no mundo globalizado

Por Antônio José Medeiros

Terça - 11/03/2025 às 11:06



Foto: Reprodução A automação mudou a relação de trabalho nas indústrias
A automação mudou a relação de trabalho nas indústrias

Insisto que a Revolução Tecnológica que desencadeou as “mudanças histórico-estruturais de longa duração” nas últimas décadas é a Revolução da Tele-mática. 

O lado “info” e o lado “tele” se combinam. O primeiro afeta sobretudo o mundo do trabalho (automação) e o segundo afeta sobretudo o sistema de estados-nação (globalização) - justamente os dois pilares da dinâmica econômica e social das modernas sociedades urbano-industriais. A intervenção política é desafiada a enfrentar essa situação, até porque ela tem uma dimensão geo-política. 

Desde os anos 1970, tem sido enfatizado o impacto da automação (o lado info) sobre o processo de trabalho, produção, comercialização e consumo.

Mas, quando se pensa em “projeto nacional”, o lado “tele” da Revolução Tecnológica precisa ser considerado em suas especificidades. Seu impulso inicial foi a “corrida espacial” (o Sputinik foi lançado pela União Soviética em 1957 e a Apolo 11 chegou à lua em 1969, lançada pelos EUA). Depois se multiplicaram os satélites para espionagem, observações astronômicas e climáticas, comunicação humana (tele-fonia, tele-visão), etc. E hoje o Planeta Terra está circundado por essas “luas artificiais”. Ora, o satélite implode as fronteiras nacionais. Que bom que o Governo Lula está retomando e fortalecendo a operação da base espacial de Alcântara (MA).

É claro que a globalização ou mundialização ou planetarização começou com os “descobrimentos” de 1450 em diante. Immanuel Wallarstein, desde seu livro seminal O Moderno Sistema Mundial, analisou exaustivamente esse processo. 

Mas é preciso ressaltar que a Revolução da Telemática representa um “salto qualitativo” nesse processo de formação do sistema-mundo. Ou “realidade-mundo”, como chamou nosso intelectual piauiense Raimundo Santana em seu livro A Nova Realidade-Mundo: Novos Temas, Novos Conceitos. É verdade que o desenvolvimento da velocidade e da autonomia de voo na aviação, do transporte transoceânico mais veloz e de grande tonelagem, das transmissões televisivas e outros avanços tecnológicos aceleraram o processo. Mas as novidades da telemática são a comunicação on line e a gestão globalizada da produção, para além do comércio “exterior” e dos investimentos “estrangeiros”. É essa a mudança qualitativa que permite a internacionalização permanente e instantânea das bolsas de valores, a financeirização, o gerenciamento das multinacionais por videoconferências, a difusão de uma cultura global, etc. 

E – pasmem – considero que é essa mudança dá que sustentação estrutural (Marx diria material) à ideologia do neoliberalismo. Muitos creditam a vitória da ideologia neoliberal, no final dos anos 1970, à persistência dos economistas da Sociedade Mont Pelérin, criada  em 1947  (entre eles, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, e Milton Friedman). Não se pode subestimar o papel da disputa teórico-ideológica; mas, de fato, o keynesianismo (papel do estado) e a social democracia (regulação extramercado do mundo do trabalho) entraram em crise pelo impacto da Revolução da Telemática.

Atualmente, no Brasil, os economistas “orgânicos do capital” não são seguidores doutrinários dessa teoria-doutrina; são pragmáticos. E Bolsonaro não entendia bem do assunto e terceirizou a economia para Paulo Guedes, ex-aluno de Friedman em Chicago. 

Está cedo para interpretações conclusivas. Acho, entretanto, que as medidas de Trump criarão confusão e desorganizarão muita coisa, mas não provocarão um refluxo da globalização. Impõe tarifas para reanimar a indústria nos EUA (demanda dos nacionalistas conservadores); acredita que, sem inserção econômica global, pode voltar a ser “a única superpotência”  (Canadá como 51º estado americano, tomada do Canal de Panamá, controle da Groelândia, domínio da Faixa de Gaza, etc.). Ora, os plutocratas das big techs (Musk à frente) são globalistas. É o que Doni Rodrik descreve no seu artigo Confronto iminente no mundo de Trump (Valor Econômico, 05.03.2025).

E o Brasil: seu Governo e seus Partidos de Esquerda e Centro Esquerda?

A “primeira globalização” aconteceu no Brasil na forma de colonialismo português de ultramar. A Independência de 1822 afetou muito pouco a estrutura econômica (unidades primário-exportadoras) e social (escravismo). Mas teve consequências políticas importantes mesmo com o neocolonialismo inglês. Florestan Fernandes defende essa tese em vários trabalhos, inclusive em sua obra magna A Revolução Burguesa no Brasil. 

Até 1930, participamos da divisão internacional do trabalho: exportando produtos primários e importando produtos manufaturados. A partir da Revolução de 1930, são tomadas medidas para consolidar a industrialização, com um papel importante de parte da burguesia nacional e mais importante ainda do Estado. 

O desenvolvimentismo foi a ideologia e a política do período (ver as obras de Celso Furtado). A transformação – que tem muito a ver com a evolução do capitalismo internacional – veio no governo JK (Juscelino Kubitschek) com a implantação da indústria automobilista. Daí para frente, tanto nos momentos de crescimento como de estagnação, mesmo na época da ditadura, nossa estrutura econômica é baseada no tripé: empresa nacional, empresa estatal e empresa “estrangeira” (de fato, multinacional e hoje global); Esse tripé veio para ficar. É assim até na China, com hegemonia das empresas estatais e o Projeto Nacional do “socialismo chinês no século XXI” (ver China: o Socialismo do Século XX de Elias Jabbour e outros).

O Projeto para o Brasil tem que saber tratar o tripé. É uma questão de proporção: mais força para as empresas nacionais, papel estratégico das empresas estatais e presença importante de empresas globais não-brasileiras. O governo Lula tem essa percepção. No PT, PC do B e PSOL não há consenso sobre a questão. Os partidos de Centro Esquerda são heterogêneos; e de Centro-Direita defendem interesses privados específicos; e em geral não se orientam por uma perspectiva estratégica e ideológica.

Nesse contexto, torna-se difícil a formação de uma Frente Ampla de Esquerda, Centro Esquerda e mesmo Centro Direita, para além de uma frágil coalizão para garantir a governança. Por isso a Esquerda precisa elaborar e divulgar esse debate; deve fazer parte da tão decantada formação de seus militantes. 

Ainda nesse campo da globalização econômica, é preciso reverter a tendência que vem se aprofundando no Brasil, nas últimas décadas, de reduzir o papel da indústria e tornar o Brasil exportador de commodities. O governo Lula tem também percepção do problema; antes com Luciano Coutinho e agora com Aloízio Mercadante, o BNDES procura valorizar o “componente nacional”. 

Falta pressionar para a “agregação de valor” na produção de soja e de minério.  No Piauí, o governador Rafael Fonteles propõe essa meta para o Cerrado. Em pequena publicação recente – Diretrizes para o Desenvolvimento de Longo Prazo do Estado do Piauí”, em edição impressa e digital – Rafael, além da ênfase na transformação digital, apresenta como uma das diretrizes fundamentais a “abertura econômica com participação ativa do Estado”. A sociedade e em especial o mundo acadêmico é chamado a discutir as questões as longo prazo, numa perspectiva crítica como se espera de toda Universidade.

O passo seguinte é evoluir para as joint ventures, (parcerias entre empresas nacionais e multinacionais), estratégia adotada pela China para modernização da sua indústria e transferência de tecnologia cada vez mais sofisticada. As empresas parceiras devem ser atraídas numa perspectiva do multilateralismo: China e outros países asiáticos, EUA (anti-Trump), União Europeia, Mundo Árabe, etc. É até ridículo a Lion Mining explorar minério de ferro em Piripiri e exportar para a China, a 15.000 km, e depois a FerroLeste trazer de volta para o Piauí o mesmo tipo de minério como ferro e aço. 

Essa temática talvez mobilize apenas uma parcela da população, mas é fundamental para o debate ideológico com a extrema direita, com seu “patriotismo hipócrita”. Sem essa perspectiva, a política gira em torno de eleições, se empobrece e atrasa o país. E dificilmente mobilizará a sociedade. O local, o estadual, o regional, o nacional e o global são dimensões do mesmo Projeto, que, evidentemente tem como eixo o nacional. Tocar “mentes e corações” ou, como cobrou recentemente o Luís Nassif, alimentar “sonhos”.

Antônio José Medeiros

Antônio José Medeiros

É sociólogo, professor aposentado da UFPI. Licenciado em Filosofia pela UFPI e Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP. Foi professor em escolas estaduais de nível médio do Piauí, em 1968 e 1971 e na UERJ e Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, em 1973 e 1974. Trabalhou como técnico sênior na CEPRO/SEPLAN-PI e coordenou o Setor de Educação do Polonordeste na SEDUC-PI, de 1978 a 1980. Professor concursado da UFPI, onde trabalhou de 1981 a 2007.
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