Piauí Presente

UM PROJETO PARA O BRASIL

O poder mobilizador de uma proposta de longo prazo

Ora, qualquer Projeto para um País tem que ser pensado a longo prazo.

Antônio José Medeiros

Quarta - 26/02/2025 às 17:15



Foto: josé Cruz/Agência Brasil O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva

A logomarca do atual Governo Lula faz uma convocação: “União e Reconstrução”. A ideia (subentendida) funcionou satisfatoriamente na campanha, mas não tem sido suficiente no Governo.
A União é frágil, como têm sido em todas as coalizões da redemocratização pós-ditadura. Já no segundo turno de 2022, os votos da candidata Tebet não vieram em massa para Lula; o mesmo aconteceu com os do candidato Ciro Gomes ou do PDT. E o convite de “não aliados” da campanha para o Governo não tem resolvido a questão.


A explicação não é difícil; difícil é a superação do problema. Tem a ver com a antiga e persistente inconsistência programática e orgânica dos partidos no Brasil.
A Reconstrução vai bem; mas, como é a retomada de políticas públicas dos mandatos anteriores do PT, não tem o impacto que teve na sua primeira versão. E mais: as principais “políticas públicas lulistas” se tornaram “políticas de estado”, isto é, são vistas agora como “obrigação de qualquer governo”. A Bolsa Família veio para ficar.


No debate após as eleições municipais de 2024 – e neste artigo continuo participado dele - vários comentaristas têm cobrado “novas propostas” ao Governo; além da reconstrução, é preciso renovação e ampliação. Outros têm ido mais longe: falta uma marca, ou melhor, um rumo ao governo. E alguns afirmam claramente: “falta um projeto para o país”.
Há um pressuposto nessas últimas afirmações e me identifico com elas. Sem Projeto e sem marca fica difícil mobilizar parte considerável da população para dar mais consistência ao governo e balizar os “arranjos” entre as forças políticas.


Ora, qualquer Projeto para um País tem que ser pensado a longo prazo. O “desenvolvimentismo” como projeto para o Brasil durou 50 anos (1930-1980), coexistiu com momentos autoritários, ditatoriais e democráticos. A defesa da democracia e de instituições mais sólidas tem sido a motivação nas últimas quatro décadas. Teve força para ampliar os espaços de participação – às vezes fragmentada - de diversos setores da sociedade civil. E resistiu a um período de tentativas de ruptura (2019-2023). Mas se sente ameaçada, pois conta agora com uma ofensiva ideológica e midiática da extrema direita.
Falta, então, dar forma e massificar o Projeto que, em boa parte, está esboçado na Constituição de 1988. Projeto sim, com P maiúsculo. É que sem uma expressão política e ideológico-cultural - sintetizada como “projeto nacional” (mesmo nos tempos de globalização) - é difícil dirigir o Estado e mobilizar a sociedade. Esse é o desafio de qualquer governo, em especial de esquerda, no mundo de hoje, sobretudo nos países “em desenvolvimento”, ou seja, que precisam aumentar a prosperidade e reduzir a desigualdade.


Repito: o Projeto é estratégico para a Nação, mas tem repercussão na formação de uma base social (bloco histórico, diria Gramsci) e na mobilização de apoio eleitoral. Exige negociação com setores empresariais, atenção às demandas das classes médias e priorização dos interesses das classes populares. José Dirceu tem dito que para uma  mudança estrutural no Brasil um Projeto precisa ter continuidade em pelos menos três mandatos presidenciais, ganhando as três eleições, evidentemente.


Pensando aqui e agora, do ponto de vista estratégico para a Nação. Sem adesão a nenhum (neo)evolucionismo, não há como negar o caráter de “impulsionador” das revoluções tecnológicas na História. Politicamente, se destaca a afirmação de Marx de que “a luta de classes sempre foi o motor da história”. De fato, para o própria Marx, a história tem dois motores, pois “o desenvolvimento das forças produtivas” também tem um caráter impulsionador. E aliás é o fato histórico que exige mudanças nas “relações de produção”.


É a tese de Darcy Ribeiro em sua “antropologia da civilização” que tem como livro básico “O Processo Civilizatório”. As revoluções tecnológicas provocam “processos civilizatórios” com alcance cada vez mais amplo, sendo de alcance mundial desde as grandes navegações. E desde então, esses processos têm produzido sociedades centrais e periféricas, conforme a inserção de cada sociedade no processo. Darcy Ribeiro desenvolveu uma teoria de longo alcance quando foi “imobilizado politicamente” no exílio, com a obsessão de entender o Brasil. Seu livro é de 1968 e ele pensava que a revolução que moldaria os processos civilizatórios na passagem do século XX para o século XXI, seria a Revolução Nuclear, pois a energia nuclear seria a fonte que substituiria os combustíveis fósseis e seria a base da nova tecnologia militar.


De fato, nosso tempo está sendo moldado pela Revolução da Informática (ou da Telemática, como acho mais adequado dizer). Nas palavras de Manuel Castells, o informacionalismo está redefinindo o industrialismo, o capitalismo e o estatismo.


O Brasil está inserido, pois, nessa era do informacionalismo. E precisa participar dela avançando em seu processo de inserção ativa, e não apenas de maneira reflexa. Talvez, num horizonte de 20 anos não atinja o nível de desenvolvimento central, pode avançar na atual situação de semiperiferia. A China conseguiu fazer essa transição para “um dos países centrais” em 40 anos.
O presidente Lula tem clareza sobre esse momento histórico. E essa é a “intuição ousada” do governador Rafael Fonteles sobre as mudanças que precisam acontecer no Piauí.


A inserção ativa nos processos desencadeados pela Revolução da Telemática passa pela adoção das tais 4G e 5G, como o agronegócio e os bancos (e ambos não querem ter um diálogo construtivo com o Governo) estão fazendo e em parte outros setores. Mas passa sobretudo pela reindustrialização (o vice e ministro Alkimin tem tentado isso), pelo avanço na infraestrutura, em especial ferroviária (a ministra Tebet tem defendido a expansão dessas redes para o Pacífico, em cooperação com países limítrofes do Brasil); e passa não só pela diversificação da matriz energética, mas pela boa utilização de suas potencialidades por uma robusta rede de transmissão. (O Piauí enfrenta esse problema: grande produtor de energia eólica e solar e não tem como usá-la para atrair mais rapidamente investimentos).


Outro ponto estratégico é a pesquisa científica e tecnológica. Alguns institutos especializados (Fiocruz e Butantã, EMBRAPA, por exemplo) têm tido uma boa produção. Mas a produção do conjunto de nossas universidades públicas é claramente insuficiente. Concentra-se em “temas pequenos” e resiste à integração com a estrutura produtiva e de serviços. É um dilema ideológico que tem efeitos políticos e econômicos. Ora, um governo de esquerda ou centro-esquerda, que historicamente está atuando no âmbito do capitalismo, tem que fazer uma mediação para que “interesses particulares” (capitalistas) recebam alguma ressignificação em favor de “interesses gerais”. (naciona…

Antônio José Medeiros

Antônio José Medeiros

É sociólogo, professor aposentado da UFPI. Licenciado em Filosofia pela UFPI e Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP. Foi professor em escolas estaduais de nível médio do Piauí, em 1968 e 1971 e na UERJ e Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, em 1973 e 1974. Trabalhou como técnico sênior na CEPRO/SEPLAN-PI e coordenou o Setor de Educação do Polonordeste na SEDUC-PI, de 1978 a 1980. Professor concursado da UFPI, onde trabalhou de 1981 a 2007.
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