Dia 10 de fevereiro (de 2025), o PT completa 45 anos. Tanto tempo, quanta diferença – do PT, do Piauí, do Brasil e do Mundo; e de cada um de nós...
Nesses 45 anos, o jingle campeão no PT continua sendo “Sem medo de ser feliz”. Mas, com certeza, o vice-campeão é “Minha cidade parece pequena”: “se a vida ensina, eu sou aprendiz”; “será que a gente é tão diferente? será que os outros é que são iguais?” (...) “ser diferente é bom até demais”.
Lembrei-me que o livro da historiadora americana Margaret E. Keck sobre a formação do PT, publicado em 1991, depois de 10 anos de pesquisa no Brasil, se chama “A Lógica da Diferença”. Ao se afirmar com identidade própria em relação à Frente de Oposição à Ditadura liderada na época pelo MDB, o PT quis ser diferente dos partidos tradicionais do Brasil, mesmo do PTB varguista. Ao se definir como partido ao mesmo tempo classista, mas de massas, sem ter uma “doutrina oficial” ou alinhamentos político-ideológicos internacionais, o PT se quis diferente dos PCs (partidos comunistas). É essa a tese da Margaret. E ela conclui: “A consolidação da democracia brasileira depende de se quebrarem as barreiras que ainda existem entre o conceito de “mudança vinda de cima” e o de “mudança vinda de baixo”. O futuro do Partido dos Trabalhadores estará integralmente ligado a esse processo.”
De fato, o PT nasceu do “novo sindicalismo” (um sindicalismo diferente), das CEBs (um jeito diferente de viver o catolicismo), dos movimentos populares (mobilização diferente do tradicional populismo) e de grupos de esquerda dissidentes. Esses movimentos sofreram impactos de mudanças no mundo e no Brasil nesse início do século XXI. Há uma situação diferente, portanto, na própria base social originária do PT.
Foi também no início do século XXI que o PT começou a passar pelo grande teste de sua diferença? De 2003 em diante, não pôde mais ser apenas um Partido-Movimento, mas teve que se institucionalizar também como um Partido-que-disputa-governos municipais e estaduais e o governo federal. Esse é o destino de todo partido que defende a “Democracia Sempre”.
Nos últimos 22 anos, o PT já comandou o governo federal por 15 anos. Portanto, a primeira pergunta a responder é: em que o PT no governo tornou o Brasil diferente?
Não resta dúvida, de que as diferenças são muitas. Ampliou e acelerou a execução das diretrizes estabelecidas na Constituição Cidadã de 1988: garantia do respeito ao FPE e ao FPM; universalização da Bolsa Família para todo seu público-alvo; consolidação do SUS, do SUAS e transformação do FUNDEF em FUNDEB; expansão dos IFs (ensino técnico e tecnológico); programas de acesso à universidade; uma política habitacional ampla e com visão social; energia elétrica nas periferias e zona rural; etc. etc. Ainda hoje são lembrados esses programas de maior impacto real e simbólico. O artigo de Jaques Wagner, na Carta Capital de 25.12.2024, faz esse balanço.
É verdade que partimos, em muitas áreas, de um patamar muito baixo; e os níveis de melhoria alcançados ainda não são satisfatórios.
Na área de infraestrutura de transporte se avançou razoavelmente, exceto no transporte ferroviário; se avançou menos no saneamento; na diversificação da matriz energética o país tem caminhado bem; o agronegócio continua se ampliando e modernizando, sem regulação ambiental satisfatória. E muito mais. O grande desafio é que não se conseguiu ter um crescimento do PIB capaz de mudar o patamar do país numa economia globalizada.
Evidentemente, o resultado do esforço para tornar o Brasil diferente não depende apenas da ação do Governo; depende de uma correção de forças econômicas, políticas, culturais-ideológicas. Coloca-se o tal problema da governabilidade, traduzido pelo Centrão como “É dando que se recebe”. Ainda bem que, com o exagero e falta de transparência das emendas impositivas, sua intenção verdadeira apareceu: “É dando-me que eu recebo”.
Os dirigentes privados da economia capitalista, sobretudo o capital financeiro, “vetam” muita coisa. E nas relações trabalhistas e na regulação previdenciária, não só estamos desatualizados, mas perdemos algumas batalhas. Agora começamos a avançar na reforma tributária, com resistências para maior tributação de quem ganha mais (renda) e tem mais (grandes fortunas e herança).
Por outro lado, várias políticas públicas fortalecidas ou implantadas pelos governos do PT se tornaram “políticas de estado”. Ora, política de estado se torna “política de todo governo”, independente de partido. O exemplo maior é o “bolsa família”, que serviu de modelo para o “auxílio emergencial”, depois passou a ser “auxilio Brasil” e voltou a ser de novo “bolsa famquer ília”. O pai é o Lula, mas hoje se tornou “enteada” de todos os governos. O mesmo acontece com o IDEB, política iniciada pelo ministro da Educação Fernando Haddad: não foi assumida como uma marca dos municípios e estados governados pelo PT, mas tem projetado municípios governados por diferentes partidos.
As políticas de estado – um ganho republicano promovido pelos governos do PT – explicam parte dos resultados das eleições municipais de 2024. Elas terminam transformadas em “modernização conservadora” pela política tradicional.
Para complicar o processo, tivemos quatro anos de “desmonte” no governo anterior de 2019-2022. No retorno do PT ao governo, foi preciso “reconstruir”. E esse é o nó da questão: na metade do governo Lula 3, na véspera de um Encontro Nacional do PT, num momento de mudança ministerial e de construção do caminho para vencer em 2026, chegou a hora de definições estratégicas. O governo Lula 3 tem que representar mais que reconstrução; tem que ser ampliação e avanço. E ainda não está claro para onde vai ampliar e avançar.
Numa entrevista ao jornal Valor Econômico de 03.02.25, a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, reafirma o que muitos estão dizendo: “O problema do governo não é o Centrão, é que ele não tem foco”. Falta uma marca administrativa para a gestão de Lula, que está “morna”. Não é uma marca publicitária, falta uma marca de política pública, falta uma agenda. Muito interessante toda a entrevista.
Nessa mesma linha vai o artigo de Aldo Fornazieri, na Carta Capital 15.01.2025 – “Qual a reforma ministerial?” Sua opinião é clara: as eventuais mudanças na equipe de governo devem almejar a coesão em torno de um projeto de pais.
Para ter clareza sobre os limites e possibilidades de “tornar o Brasil mais diferente”, numa perspectiva de esquerda - rompendo com uma pesada herança histórica e enfrentando os grandes dilemas do mundo contemporâneo - é preciso analisar “as diferenças” em vários níveis. Esses níveis se entrelaçam e exigem o debate num espaço público democrático. Está na hora de tirar consequências práticas do debate que está sendo feito, sobretudo desde as eleições de 2024.
Para pensar ações de governo, no horizonte de um Projeto para o Brasil, sugiro que se analise as “diferenças” nos seguintes níveis:
a)nível histórico-estrutural - de longa duração, “diferenças” provocadas pela revolução da telemática (automação, globalização produtiva e cultural, perda da centralidade do trabalho, redução do poder dos estados-nação, mídias sociais etc.). A esses se juntam os desafios da sustentabilidade (mudanças climáticas) e da emergência sociocultural da diversidade (Ver os livros de Manuel Castells = A Sociedade em Rede e O Poder da Identidade).
b)nível dos eventos históricos geopolíticos – “diferenças” na situação econômica e geopolítica do mundo (hegemonia do neoliberalismo com Reagan e Tatcher a partir de 1979); reorientação estratégica da China, também desde 1979, com Deng Xiaoping; queda do muro de Berlim em 1989 e colapso do Bloco Socialista Soviético em 1991; pontificados de João Paulo II e Bento XVI de 1978 a 2013; guerras contra e envolvendo o mundo árabe.) E merece destaque a formação dos BRICs (2006). (Ver o livro de Castells – Fim do Milênio). O primeiro governo Trump não foi um evento histórico; o segundo mandato será?
c)nível histórico-conjuntural no Brasil – fatos e ações que marcaram a era da redemocratização que estamos vivendo: distensão lenta e gradual; lei da anistia; Constituição Cidadã; Plano Real e tripé da política financeira-fiscal; trabalho por aplicativo; retração dos militares e tentativa de retomada por militares de extrema direita; aumento da população evangélica e utilização política das igrejas evangélicas; ideologização e mobilização da extrema direita; Centrão e institucionalização do clientelismo; mudanças climáticas e Amazônia, etc., etc.
Numa sociedade cada vez mais complexa, os temas são muitos, com repercussão mais geral ou mais setorial. Cabe aos governo e aos partidos de esquerda traduzirem todas essas questões num Programa. Muitas ideias interessantes estão circulando. E elas motivam a escritura de novos artigos.
PIAUI PRESENTE