Olhe Direito!

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Um avanço civilizatório

No Brasil, até a semana passada, havia um desses dispositivos, felizmente removido do arcabouço institucional do país por ordem do Supremo Tribunal Federal.

Álvaro Mota

Sexta - 19/03/2021 às 08:48



Foto: Divulgação Agressão à mulher
Agressão à mulher

O século XX assistiu a seguidos avanços civilizatórios em favor das mulheres, que em boa parte do mundo ocidental só começaram a votar na segunda década daquele século. Depois, mulheres começaram a trabalhar fora e passaram a ser vozes mais ouvidas nos parlamentos e nos governos. Avançaram as mulheres em suas lutas por emancipação e, ainda assim, seguem-se havendo dispositivos institucionais em desfavor das mulheres em muitos países.

No Brasil, até a semana passada, havia um desses dispositivos, felizmente removido do arcabouço institucional do país por ordem do Supremo Tribunal Federal. Trata-se do instrumento não escrito e sobre a defesa da honra. O STF decidiu no dia 12 de março, por unanimidade, que não será mais admitida a tese de legítima defesa da honra em julgamentos de feminicídio. Por mais medieval que possa parecer, júris poderiam absolver réus que matavam mulheres sob o argumento de que o homem traído "perdeu a cabeça" e quis "limpar sua honra". Esse tipo de tese não pode mais ser aceita e, se for, o julgamento será anulado.

O que o Supremo fez no dia 12 foi História e, mais do que isso, portando-se como guardião da Constituição Federal, reafirmar princípios contidos no texto constitucional que salvaguarda a vida – como expresso no “Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade

Ora, se o texto constitucional coloca a vida como direito fundamental, como se poderia admitir que uma tese jurídica sustentada em um Tribunal do Júri poderia ser mais importante que o expresso na Constituição? Honra num sentido machista, assim, prevalecia sobre um direito fundamental já expresso desde a antiguidade, que é o direito à vida.

O sentido de avanço civilizatório da decisão do Supremo, com efeito, respalda-se no fato de que, ao afastar de julgamentos a tese de legítima defesa da honra, está-se indo em direção a uma conjuntura de equidade de gênero no âmbito da Justiça. Avança-se para que a mulher amplie sua cidadania, torne-se mais autônoma e, acima disso, que haja respeito à sua condição de pessoa humana isonômica em relação ao gênero masculino.

O fim da tese da legítima defesa da honra tem ainda o condão de deslegitimar a violência contra a mulher, bem assim de desnaturalizar o feminicídio, que é o homicídio praticado contra a mulher somente pela sua condição de mulher, quase sempre cometido no âmbito de uma recorrente violência física e psicológica.

E quando se menciona a deslegitimação, o que se está dizendo é que a tese proibida pelo Supremo se retroalimentam sem sequer está escrita, posto que oCódigo Penal brasileiro, em seu artigo 25, quando trata da legítima defesa a define com ato para repelir “injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” - jamais mencionando um caráter subjetivo de honra.

Assim, temos diante de nós um sopro de boas novas e de avanço de civilidade, algo que torna menos embolorada a leitura que se possa fazer de uma agressão de um homem a uma mulher. Guiamo-nos agora, e face da decisão do Supremo, por um caminho mais limpo e luminoso em favor da equidade das mulheres.

Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado. Procurador do Estado. Ex-Presidente da OAB-PI. Mestre em Direito pela UFPE. Presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.

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Álvaro Mota

É advogado, procurador do Estado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Álvaro também é presidente do Instituto dos Advogados Piauienses.

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