Em boa hora e com intensa dose de paixão, o país iniciou na semana passada, na ágora das redes sociais, um debate sobre a alteração na escala semanal de trabalho – um debate que vem de longe, desde antes da atual Constituição, quando, sob liderança de organizações sindicais, defendia-se uma redução da jornada semanal de trabalho de 44 para 40 horas semanais.
No atual momento o debate segue incendiando paixões – e nem sempre há uma análise que leve em consideração os números, seja de empresários, seja de trabalhadores. Entra nessa conta o fato de que as jornadas de trabalho tiram do trabalhador tempo com a família, para seu lazer e para cuidar da casa e da saúde. No lado empresarial, a conta vai para o lado do custo que representa reduzir a jornada sem que se amplie a produtividade do trabalhador.
Empiricamente, com o mínimo de consultas, podemos depreender que o trabalhador com jornada de 44 horas semanais de trabalho – a atual escala semana 6X1 – indica que uma pessoa deverá ocupar-se 8 horas de segunda a sexta no trabalho, com meio expediente no sábado.
Se fossem contabilizadas somente as horas trabalhadas, é até razoável que alguém torcesse o nariz para a redução, mas um trabalhador que tem essa jornada, numa cidade média ou grande, vai acrescer a esse tempo pelo menos mais três horas diárias de deslocamento entre sua casa e o trabalho. Ao fim e ao cabo, as 44 horas semanais de trabalho vão importar em mais 16,5 horas de deslocamento e esse ponto é essencial ao debate.
Porém, ao mesmo tempo em que a redução é necessária ao bem-estar do trabalhador, ela implica em maior custo, ao menos por enquanto, para as empresas. Isso porque reduzir a jornada pode implicar em necessidade da aquisição de horas adicionais para manter os níveis de produção de bens e serviços. Neste caso, a redução da jornada – que certamente ocorrerá – deve se dar em um cenário de maior produtividade do trabalhador, ou seja, ao comprimir o tempo de permanência de uma pessoa em uma planta de produção de bens e serviços, será necessário que esse profissional produza mais em menos tempo.
O debate está se dando na seara legislativa, mas ganhou força pela mobilização de atores políticos e sociais ditos progressistas, que manobraram de forma inteligente a escala de trabalho de quem deve decidir a mudança constitucional, os congressistas. Na Câmara e no Senado é célebre a escala TQQ – (terça, quarta e quinta), ou seja, três dias trabalhados para quatro dias de folga. No cenário parlamentar, a alteração da escala semanal de trabalho de 6x! para 4x3 vem sendo feita há tempos, com Propostas de Emenda Constitucional feitas ainda no final dos anos 1990 e que nunca prosperaram.
A atual PEC assinada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) é mais abrangente que as anteriores, porque para além de propor um corte radical no número de horas trabalhadas por semana – de 44 para 36 horas – avança no sentido de determinar que os dias trabalhados seriam apenas quatro. Hoje, numa escala 6x1 (seis dias trabalhados, um de folga), com 44 horas semanais, não se tem um rigor constitucional de vedação dos dias trabalhados.
Noves fora as paixões que incendeiam o debate, há que se considerar que esse é um tema de interesse público – sobretudo porque é preciso discutir melhor qualificação do trabalhador, o rendimento do trabalho (produtividade) e uso de tecnologias (incluindo ferramentas) como mecanismos que assegurem menos horas trabalhadas, com ganhos salariais e de produtividade.
Assim, ao fim e ao cabo, mais que um debate acerca de mudança no texto constitucional e embate entre posições ideológicas diversas, a PEC de alteração da escala 6x1 nos deve levar a discutir sobre aumento de produtividade do trabalho, sem perdas para o trabalhador, e com uma perspectiva de mais e melhor qualidade de vida. Pode parecer até um olhar romântico, mas deve ser bem mais que isso, tem que ser meta de toda a sociedade.