A morte do Dr. Celso Barros Coelho, aos 101 anos de idade, evidencia sua grandeza. Viveu mais de um século e nesse tempo contribuiu de modo rotineiro e permanente para a cultura jurídica, a boa prática forense, a educação, a cidadania e a política, arte em que predominou por seu destemor e postura ética inquestionáveis. Cassado pelo regime de exceção, ressurgiu pelo voto popular na retomada do Estado de Direito, do qual sempre foi um dos mais aguerridos defensores.
O saber era a sua maior arma – e a palavra a munição para o uso de tal ‘elemento bélico’ com o qual esgrimou contra aqueles que a ele se opuseram – mas dos quais nunca se tornou inimigo, posto que exerceu a política como devido: o adversário não é inimigo, mas alguém que pensa diferente, que age diferente, que atua diferente. Tal distinção amplia em nós a admiração por Celso Barros.
Sempre seguirá vivo em todos os que o conheceram a admiração a esse grande brasileiro nascido em Pastos Bons, no Maranhão, educado no Piauí por uma mãe amorosa e ciosa de seus deveres, incutindo no filho uma grande virtude, o da solidariedade, a preocupação com as pessoas, a empatia como parte de seu cotidiano.
Homem sábio, tornou-se um era um grande depositório de saberes no Direito, História, Literatura, Filosofia, o que nos lembra sobre sua morte uma sabedoria africana: quando morre um homem, queima-se uma biblioteca. E sendo ele uma biblioteca, foram a cátedra no Direito e a Academia Piauiense de Letras, da qual era membro e contumaz frequentador das reuniões, duas paixões permanentes.
É possível que no plano físico essa biblioteca representativa que era Celso Barros se esvaia, mas a amplitude dos conhecimentos e ensinamentos deixados impede que haja a total perda deste homem e dos seus saberes. Gerações de advogados estudaram com ele ou por ele foram inspirados; muitos outros profissionais dele também tiveram o aporte de conhecimento e isso representa uma perpetuação das sabedorias, ou seja, há imortalidade, permanência em Celso Barros Coelho, que vive em cada um dos milhares que, direta ou indiretamente, receberam dele as melhores lições – além de decisivas contribuições para o aperfeiçoamento do Direito enquanto ciência e prática jurídica exercidas em favor da maioria.
Sobre essas contribuições, convém que lembremos ter sido Celso Barros responsável no Congresso Nacional, onde atou de modo brilhante, um dos relatores do Projeto do Código Civil Brasileiro, sendo-lhe dado a escrever o capítulo do Direito das Sucessões. E do pronto de vista prático, além de seu mister de professor de Direito e advogado militante, a atuação por dez anos como presidente da OAB-PI, ajudaram a consolidar a cidadania e os direitos civis como uma saudável rotina no Estado de Direito em que vivemos.
Tenho orgulho de fazer parte dos que conviveram com este grande brasileiro. Pessoalmente, sou um dos que vai manter viva a chama de vida e sabedoria de Celso Barros, de quem herdei também a amizade advinda de meu pai, Berilo Mota – o que me possibilitou ser frequentador de seu escritório, onde estavam sempre figuras de boa prosa, o que me fez perceber que, mesmo sendo o mais experiente entre seus pares, mantinha ele um ar de juventude e jovialidade nas ideias.
Sou grato e creio haver centenas de pessoas com o mesmo sentimento de gratidão a Celso Barros, notável entre os notáveis, cheio de sabedoria e generosidade, um sábio antes de qualquer coisa. Nesta semana, dele fisicamente nos despedimos com a obrigação de recebedores de sua inteligência, sermos cultores dela para sua permanência entre nós como uma luz a iluminar o presente e a permitir perceber o futuro.