A imortal Nerina Castelo Branco habita minhas memórias desde que eu era um menino e ela – amiga de minha família – frequentava nossa casa, no centro de Teresina, sempre trazendo consigo algum livro para me agradar e mostrar que pela vida caminha melhor quem usa a leitura como guia – e seu exemplo de apego à literatura, arte e cultura me permitiram uma bem-sucedida caminhada.
No dia 9 de dezembro, terça-feira que passou, Nerina completou 90 anos de vida – e que vida! Nascida em 1934, cedo trilhou o caminho das letras, fazendo poesia, mas para além disso, tendo uma percepção muito pessoal – e precisa – da arte e cultura como necessidades básicas para uma comunidade.
Essa ideia pode ser percebida em artigo que Nerina publicou em 11 de março de 1970, em periódico não determinado, mas que faz parte do dossiê que reconheceu a arte santeira como um patrimônio cultural do Piauí. Ela foi a primeira pessoa, ao menos sob o ponto de vista de um registro histórico, a reconhecer o trabalho do Mestre Dezinho não como artesanato, mas como “arte funcional ou moderna evocativa de nossa arte popular”.
O trabalho do mestre santeiro, conforme mostra a História e lembra a escritora no texto, teve um encontro com a arte acadêmica do irmão de Nerina, Afrânio, a quem ela se reporta no texto com um tom um tanto quanto premonitório, ao dizer que a Igreja de Nossa Senhora de Lourdes, no começo dos anos 1970, estava sob “sob a orientação artística do pintor piauiense, nome laureado no Brasil e no exterior, Prof. Afrânio Castelo Branco, lutando para dotar nossa terra de um patrimônio de beleza e originalidade”. Passados 50 anos, a arte original e única, conforme notou Nerina, ganhou a chancela do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
Tal percepção verificou-se sete anos após seu livro “Poesias modernas I”, de 1963, que se seguiu a “Poesias modernas II”, do ano seguinte – ambos resultados de sua participação no Movimento de Renovação Cultural, surgido em Teresina no começo da década de 1960 e que além de Nerina reuniu nomes como Raimundo Nonato Monteiro de Santana, José Camillo da Silveira, José Miguel de Matos, Raimundo José dos Reis e José Ribeiro e Silva.
Dois anos após o lançamento dos dois livros, Nerina Castelo Branco tornou-se, em 1966, integrante da Academia Piauiense de Letras (APL), em uma das dez cadeiras criadas sob inspiração de A. Tito Filho. Sendo a primeira ocupante da cadeira de número 35 – e até agora a única – coube-lhe escolher o patrono do assento, Antônio Alves de Noronha, engenheiro piauiense nascido em 1904, falecido em 1961, autor de seis livros sobre Engenharia, tradutor de outros três livros estrangeiros sobre o tema, signatário de 29 trabalhos técnicos publicados em revistas especializadas e apostilas acadêmicas.
Além da escolha de um patrono com vasta obra de literatura técnica, no período de seu ingresso na APL, chegou na companhia de nomes como Raimundo Monteiro de Santana, Artur Passos, Celso Barros, Odilon Nunes, Darcy Araújo, Emília Castelo Branco de Carvalho, Manuel Paulo Nunes e João Coelho Marques. Hoje, é a decana daquela instituição, posto que é a acadêmica com mais anos de casa.
Recentemente, esta escritora que estudou e ensinou Filosofia ganhou uma homenagem no Sesc Cajuína, onde um dos espaços de mostras e exposições leva seu nome – e agora devo prestar-lhe homenagem por seus 90 anos, mas para isso quero tomar de empréstimo as palavras de Nelson Nery Costa, membro da APL, do qual foi presidente e líder da profícua Coleção Centenário, que republicou obras de autores piauienses, entre os quais a própria Nerina, que ele assim definiu:
Poetisa sensível, cantou a si própria: “Não quis em nenhum/Instante pensar/ Que pegaria as estrelas…” E completou: “Em nenhum instante/Quis o infinito/Ou completei os desejos/Incontidos do meu eu!//Fiquei a espreitar o momento/Como quem busca e deseja/Que a quimera/Seja longa e feliz/No tempo/E na lonjura/As esperanças…”